terça-feira, 19 de janeiro de 2010

partícula VI: o lago

- O que foi, Roman?
-  Suas sobrancelhas... Olha o horizonte aberto aqui do cais, a paisagem líquida do lago e o ar seco que vem até nós... É bom ficar aqui, ainda assim, estou partido, em duas belezas, metade no lago, metade nas suas sobrancelhas, aberto entre duas perfeições...
Natalie sorriu, como era de costume sorrir respondendo as insinuações de Roman, apesar de conhecê-lo há anos, aquele homem ainda sabia tirar um sorriso inocente daquela mulher, entre eles sempre um abismo, mas um abismo tão cheio de laços, silêncios tão cheios de sentido, e nunca foram amantes, não, não como poder-se-ia pensar, sempre amigos, por vezes indiscretos um com o outro, outras grosseiros, noutras ainda apaixonados, não inteiramente, só por um olhar, ou idéia... ou sobrancelhas...
- E agora, o que vai fazer da sua vida, meu caro senhor?
- Assaltar o Banco Nacional, talvez, depois passar algum tempo no Egito...
- Roman! - suspirou, Natalie, na intenção de que a conversava seguisse um pouco mais séria.
- Nada, a vida vai fazer de mim, acho que será isso. Logo deverão me tirar da pensão, se nada acontecer, de que não tenho receios, querida - ele dizia aquilo com segredo nos olhos, mas quem saberia dizê-lo -, passou-se o tempo em que eu fora violentado pelo mundo, e não fora como vítima, não, sempre fui cúmplice dessa violência, mesmo que às avessas, jamais me entreguei de má vontade à vida, porém, agora, o mundo tornou-se-me amante, o que não significa que amar não seja violentar, mas a forma é outra, e a sedução também, eu o quero, esse mundo, como nunca o quis, ele me chama em silêncio, eu respondo em ardor, não me tem mais com beijos, mas quando toca a minha mão!