quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Não escrevo mais




Porque há cores e carinho por todos os lados,
e também o Exército de Israel

Porque há Louis Vuitton, Nasdaq, programa social
e o quinto dos infernos marsupial

Porque houve Varsóvia. Porque há tanta esbórnia.
E porque haverá a ex-República Viva da Amazônia

Porque não há mais Metafísica; só interpretações.

Porque o rico virou empreiteira, o pobre virou geladeira;
o índio virou espelho e morreu

Porque é cedo e tarde demais.

Porque a política é kitsch e natureza morta é o povo.

Porque a culpa é das estrelas.

Porque descobriram o pré-sal.

Porque há o salão do automóvel, a feira do livro, a festa da uva e da democracia;
o festival do peixe, do queijo, do ódio.

Porque há polícia, milícia e melancolia.

Porque não faz sentido usar olhos e saudade pra falar de amor.

Porque acabou.



segunda-feira, 11 de agosto de 2014

Lânguido reflexo (reescrita)



Eu vivo o rio onde morrerei a nado
eu vivo em minha nave imprópria, decadente e sóbria
a nave mãe da triste ossada
a nave pesada das eternas águas

Eu vivo poente em janela de ideia extensa
novelo de minha jangada densa
Eu vivo a câmera lenta das mágoas

Eu desço o lago do tédio, úmida morada
regaço de minha armada e pólvora do desassossego

Eu naufrago no mar dos trôpegos,
esquinas e sinais vermelhos
O puído dos olhos velhos em meu lânguido reflexo

Eu vivo a nave a recobrar o tato
vez perdido no enfado,
Vivo a reaver o nado neste modesto retalho,
o mundo, em recíproco escárnio

Eu vibro em ondas das quais destoo
rios que me foram expulsos
bombas que me foram postas
versos que voltam como recuos

Eu venho varrer a nuvem espessa
atravessar-me o oceano com a nave imprópria
Eu vivo a nave inglória das promessas

Então navego ao liceu do exílio
onde a nave decanta seus gritos
e onde o mito reencanta a estranha pousada

terça-feira, 15 de julho de 2014

Lânguido reflexo




Eu vivo no rio / onde morrerei a nado / eu vivo em minha nave imprópria/ decadente e sóbria / a nave mãe da triste ossada / a nave pesada das eternas águas

Eu vivo poente em janela de ideia extensa / novelo de minha jangada densa / Eu vivo a câmera lenta das mágoas

Eu desço o lago do tédio/ úmida morada/ regaço de minha armada e pólvora do desassossego

Eu naufrago no mar dos trôpegos/ esquinas e sinais vermelhos/ o puído dos olhos velhos/ em meu lânguido reflexo

Eu vivo a nave a recobrar o tato/ vez perdido no enfado/ de vez reaver o nado/ nesse retalho d'água / o mundo/ em recíproco escárnio

Eu vibro em ondas das quais destoo/ rios que me foram expulsos/ bombas que me foram postas/ versos que sacrifíco

Apesar/ eu devo varrer a nuvem espessa/ atravessar-me o oceano/ com a nave imprópria levitar/ eu vivo a nave onde a nave esvai

Então navego ao liceu do exílio/ onde a nave decanta o seu grito/ e ao asilo retorna



quinta-feira, 26 de junho de 2014

Tétano



Abriu-se a pedra outra vez
De tempos em tempos o coração racha
Vê-se o opaco nos olhos
e a carcaça dos corpos
Sente-se a secura dos lábios

O íngrime laboratório da vida fibrila!

Em cada espantalho dói um sentimento trincado
Parecem negar terem visto o túnel faminto
Ninguém sabe quando a morte começa
Desconverso:

Agora me vem aquele lençol de estrelas
Quem dera ser tão só a empilhadeira dos teus olhares
Dar um nó nos trilhos que te afastam,
Escangalhar as linhas até reconvertê-las a um único traço

Mas o que digo assim vacilando os poros?
- Deixei para trás as mulas sem cabeça
- Mergulhei de vez na matéria bruta
- Declinei, incendiado, de ressuscitar-vos!,
jogando qual macacos as partes mortas
do meu coração nas vossas caras

Em cada hedonismo um cadafalso
Em cada seio e em cada pau e em cada bar
e em cada boca uma grande e gulosa e fastigiosa mentira!
Todo gozo um infinito pleonasmo
Mas em cada fresta do mundo tem um ser-humano frio e encolhido
Em cada gargalhada milhares de casas de papelão

Mas o que faço ainda rodopiando os mesmo símbolos?
Como revirar o lixo para matar a fome
Ou dançar descalço para provar sutileza
Ou vestir ideologias para sentir-se útil

Fodam-me aqueles que veem lirismo no mais profundo oco!
Peguem suas bandeiras, deem tiros para o alto
Sintam o cheiro de cominho e mel no mar da Turquia,
revirem seus estômagos e durmam em paz!






terça-feira, 11 de março de 2014

Deserdado, ou quem sabe?



Tenho as mesmas chances de

Uma barata. É o que me dá nas vetustas telhas,

as cascas já tanto grossas e as velocidades

cada vez mais lentas



E ainda tenho que limpar o vosso mijo de sábado,

Aquele pelo qual pago de verdade.

Também devo juntar os cacos da vossa gargalhada.

Como doem os cacos da vossa gargalhada!

Obturar o mal-humor, as horas e mais horas

E mais horas



Vem-me a lembrança de um fogão à lenha

Na casa de minha avó materna.

Eu fazia de sua alça o guidão de minha locomotiva

Como meus olhos não turvariam agora

Se vida corria tão grata, se havia o cheiro de doce de

Abóbora; se meus trilhos tinham toda a graça e

E nos meus dias eram os sonhos que deixavam rastros?



Hoje me escondo debaixo desse tanque de guerra,

Seiscentas Kiev me rasgam. Por dentro me correm

Areias, é o movimento que me ignora.

Tornei-me uma daquelas serpentes no deserto,

Engatilhadas por debaixo da derme.