terça-feira, 29 de setembro de 2009

insolente

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 - O Sr. poderia nos dizer o que é arte?
 - Sim, obviamente. Tanto quanto você poderia me dar uma vida eterna (risos). Estou brincando, Senhorita, me perdoe. A arte para mim... (um longo suspiro, os olhos fixos em nada) É o enigma sensível das formas... Honestamente, não sei dizer mais nada sobre isso.
 - E o que ainda o faz escrever, Sr.?
- ... Eu busco o sentido de minha escrita na necessidade do ato de escrever, e o encontro necessariamente aí, embora não saiba dizê-lo...

(Ele ainda vive, aos 123 anos... )
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mais uma de todos nós (para o violão)

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somos deuses, somos cócegas
somos magma, somos cólera
somos cínicos, hipotéticos
somo kitchs e patéticos

somos sede, somos blefe
arrependidos do cacete
invictos, convictos
interditos e falsetes

somos pérola, somos pálidos
analíticos e hiperbólicos
somos poetas, heréticos
erráticos, fanáticos

somos um quarto de hóspede
um fado fantástico
somos um grito quimérico
apaixonados e diabólicos

somos a tônica retrógrada de tudo...
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Nos acostumamos a ver as coisas como apocalipses brilhantes. Um saudoso amanhecer de inverno, árido, e eternamente coberto de sonhos, que sobra em si e deita... adormecido na primavera, quente e colorida, infinita, talvez, ele deixa de ser... Damos nossos restos de ontem como minúsculos banhos de amor, sábios desfazedores de si, somos ofegantes malabaristas cujo último respiro é de contentamento e graça. Embebedados pelo mundo, uma sôfrega terra radiante, voz solene que cobre e cura nossa afável carcaça... retorna revoltosa sobre nós com sua calma, com a sua alma e canto. Com a pele que guarda a imperfeição da memória em cada dedo, em cada tato, tocamos a mesma pele no exato momento em que ela envelhece, marejada, gravura de uma centena de gozos e danos, todos eles calados agora, agora, agora...


* Arthur Rubinstein plays Liszt, "Liebestraum n°3"

sábado, 19 de setembro de 2009

Loki (a letra para tua voz)

Se a loucura não esperar por mim
Quem será?
Se a loucura não estiver ali
Eu sei lá...
Se a tristeza não me colorir
Vou chorar
Se o vendaval não destruir
O que restar
Da minha vida o sol e a cor
Vai ficar...
O jeito, o sal do mar, silêncio...
Ah...

Para Talita

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Trenzinho Caipira



Saudade é uma mistura do domingo com o barro, com a birra, com a angústia de um silêncio eterno por vir: - pai, joga a bola pra mim! Nada suporta o peso quando os joelhos dobram pra arrastar a morte pelo quarto afora; nada fecha a porta quando o estampido explode e sangra o quarto de dormir que acorda, a cama feita, o dia desfeito, o lenço negro que cobre o que não mais se esconde. Agora chora pra estancar o grito, reza pra ensurdecer o alarido dos demônios em volta: - não deixa o menino ver! Não haveria braços estendidos que pudessem impedir a foice, dissipando o atropelo dos coices que a vida dá; não haveria voz pra esvaziar aquele tambor que rufava de dor pela última vez; não haveria abraço pra calar aquele cansaço: - vai ser melhor assim, mãe! O teto rachou com aquele arrepio de Deus, a mãe segurava a cria com uma das mãos, enquanto na outra batia o coração em desespero, esfolado pelo medo que dá ao ver o pior cair de frente tal como espelho, como disparo que empedra os olhos vermelhos, como um relho que sela o devaneio raro do sossego... Todos aprendem a cruzar as pernas do tempo: - vem meu filho, agora papai vai descansar em paz!

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Canção popular

Teus podres e panos,
teus olhos muçulmanos me fazem virar
teus dotes de rapina,
gotas de morfina me fazem Bagdá

Tuas serpentes e dunas,
Teus becos e bombas e ruas...
São ecos rebeldes do Mar

Teu grito insolente, tua casta indecente
Teus braços de Hera, teus traços...
Sou bicho, sou quente, sou gente, sou lixo
Sou tua Quimera, sou teus estilhaços  

Tua sede assassina,
Tua doce ruina - teus mortos...
São todos destroços depois de amar

Anticristo

Eu amo aos tarros, fazer o quê?
Vamos brincar de Roma: - Eu sou Nero, e você?