sexta-feira, 30 de abril de 2010

Depois de um Soneto De Vinícius

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Amor que amei e nem sequer amei ainda
Serena e tranquilamente
Amor da dor sempre bem-vinda
Senão de um amar faminto e desesperadamente

A chamar-te e esperar-te
Sem remédio, nem tédio, somente o risco
Da paixão ainda bruta no coração de um mártir
Precipitar-se nos braços do teu precipício

Da noite agora de vez ancorada na saudade
Fazer do teu corpo o porto da maldade
Tamanho o clarão que em mim nem sonha

De tão perto agora partir distante
Com medo de perder da vida o bastante
E esquecer do gozo a tua face risonha

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quinta-feira, 29 de abril de 2010

futuro do presente mais-que-perfeito da ternura

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você é feita de veludo
é quase tudo
que diz carinho mudo ao tocar sem espinhos

tua meia furada faz rir meu dia
de repente
você é pra sempre

e se tenho que doer, que seja a dor de dois
à dois,
a dor do parto e da partida
cujo o rebento sujo, todo, de doer sangrento
dá vida àquela vida que se achou perdida

vivemos de um amor eterno
e eternamente carnais sabemos ser
fraternos

não nos amamos assim, unicamente
é assim que amamos a vida,
não de outro jeito, de qualquer jeito que seja
senão selvagemente

amamos demais
e demais somos sem escolha
do passado, saudade
do amanhã, sinais...
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segunda-feira, 26 de abril de 2010

(simples assim é complicado demais)

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Não descanso das perguntas idiotas
quando as manhãs são mais noturnas que as madrugadas

Minha pequena cripta,
por que tanto amor?

Teus olhos me assustam
como duas montanhas-russa perdendo os trilhos,
cegas e loucas,
sobre mim


Teu supsiro é minha aguardente
Mata e hidrata e maltrata leve, levemente


Tua boca nunca se vai embora
sempre comendo o pouco de mim aos poucos
senhora, sereia, silêncio, memória

Minhas cordas estão livres nas tuas mãos,
enche nosso mundo mistério, agora, de Nós
Segue rouca e infinita em mim, por favor
Eu não canso de sofrer de ti  e rir

É bonita esta dor, é bonita...

Será porque será,
pétala por pétala
por que é amor, por que será?
Porque será, porque é amor...
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terça-feira, 20 de abril de 2010

Doze trabalhos de Hércules

(aos amantes perdidos que choram no escuro com as mãos vazias e não sabem de quê)

1. não viva enquanto a tua morte não chorar: retorno da ternura: abrace
2. último abraço; nem mais um beijo no sorriso dele, des-abraço, despedida
3. reconheça: já estão só
4. diga: vamos encher de amor este maldito mundo
5. diga: vamos banhar esta lama com a nossa água pura
6. diga: vamos fazer mais amigos e mais amantes
7. diga: esqueça e lembre de mim quando quiser docemente sorrir
8. vá embora, antes que não possa mais deixá-la ir
9. chore até ruir, mas não desespere
10. seja feroz contra o ressentimento
11. cuide-se; não fuja (de si); reencontre-se
12. torne-se, com sabedoria, amável novamente

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Veleiro

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tenho o teu cheiro mais forte nas mãos
abraçadas uma na outra, não rezam sequer
seguram meus olhos fitando o nada
e os respiram para longe

a sós

esperam...

com o tato de um mármore pensante,
a fé gigante das ondas tocar minha nau esperança        adiante

serpente de luz sobre água noturna,
sol-uço vazio de Netuno,
apenas o brilho do engano que a lua debruça no mar
torvelinho
pálpebra
pele
ar
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quarta-feira, 7 de abril de 2010

Saara

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o rosto dela é uma criança no balanço de um pé de laranjeira
a gota cai de cada folha e morre
o dia-a-dia morno esfria e chove...
esquece o verde, a fruta e vai embora

tem estrelas dizendo á lua-cheia:
vê lá no baixo como brilha
aquela trilha, o riso lá, que se foi
onde, lua, se esconde a ilha que nela mora?

o dorso dela brinca de oriente
descansa nela a dança dela ausente
um deserto onde a sombra calma é rara
é tanto sol, Saara, é tanto sol