quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Ciranda

Tenho nove anos... e alguns pensamentos que nem sei dizer. Meu pai bebe, minha mãe é reticente e reza... Quando sente dor, ela finge que não sente, pra fingir que eu não sinto que ela mente. De manhã, vou na escola, e emburreço; à tarde, subo na árvore e esqueço; à noite na cama, com os os olhos bem abertos, como dois grandes lagos escuros de medo, recomeço. Nem sei por que eu penso... que minhas pálbebras são duas guilhotinas que degolam minha dor de tudo. Durmo.

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

minuto

(contender sobre tua dor...
depois uma oferta de suicídio

desmentido teu segredo em pó
ver teu dó em paraíso)

terça-feira, 11 de agosto de 2009

Partícula V: o passeio

Natalie ainda estava um pouco contagiada dos rumores da rua, mas sabia que os próximos passos a traziam para um ser bastante silente. Entrou, e logo deixou escapar uma daquelas interrogações triviais, que correspondia ao lugar comum de onde chegara:
- Roman, como vai? - disse a moça, com seus olhos felinos e distraídos.
Depois de alguns segundos demorados de observação calada, a quietude de Roman se pronunciava com o pesadume costumeiro:
- Minha cara, você sabe, sou daqueles que deixaram a si mesmo para trás, como o inverso da metáfora das víboras, a carne viva cristalizou algures, enquanto a carcaça seca continua móvel!
Natalie respondeu imediatamente:
- Oh, Roman Woolgar, você está a cada dia melhor, se continuar assim logo terá uma estátua em frente a pousada: aqui jaz mais um homem absoluto! Que tal um passeio? O dia está agradabilíssimo, seco e ligeiramente frio, desafie a secura do dia com a sua e veremos quem sairá melhor, hein.
Roman aceitou o próprio sorriso sem jeito a desreipeitar sua sisudez, e cedeu:
- Está bem. Saiba que esse convite não é um grande desafio, minha escuridão não teme a luz, você sabe, e todo a minha sábia melancolia não resiste a sua inescrupulosa criancice!
Roman deixou a xícara sobre o mármore encardido da pia, procurou rapidamente algum dinheiro na gaveta da escrivaninha, pegou um casaco de veludo no armário, e estava pronto. A distância entre esses pontos naquele cômodo confortavelmente incômodo permitia a rapidez, era mínima, como a constância de Roman. Saíram os dois, felizes daquele ar limpo, também contentes da companhia verdadeiramente recíproca, Natalie era implacável em seu tato com Roman, extraia sorrisos daquele rosto amarrado como se fossem pérolas, Roman devolvia quietude e charme - elogios indiretos a presença daquela mulher. Assim, seguiram até os arredores do cais, queriam a luz do sol mais plena, sem os desvios de concreto do centro da cidade; nada como um passeio vulgar, a cabeça saturada de leveza, e um horizonte largo à espera.

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Partícula IV: Roman Woolgar, ainda

Roman seguia com as mãos praticamente imóveis sobre a mesa, os pés frios traziam algum incômodo, mas não o impediam de fixar suas idéias em si mesmo. Nada, quase nada a fazer, um nada rodeado apenas pelo múrmurio da rua, bastante vago, e o ruído confuso da máquina de costura não muito longe, no quarto ao lado, talvez - de uma jovem muda que ali habitava por ora, um tanto estranha, parecia, mas bastante simpática em sua mudez. Uma introspecção leviana o entretetia nessa hora, como poderia prorrogar tamanha resignação, tamanha hesitação, assim, tão conscenciosamente, como se medisse e aceitasse a cada segundo o exato peso de suas pernas, o ouriçamento imprevisto de seus pelos, a mediana temperatura do corpo, e toda a série de incalculáveis pormenores que movem o universo inteiro sem que nos faça a menor diferença; esta, pois, na vida de Roman, tem sido a incorruptível verdade entre um segundo e outro. Uma sorte de etecéteras invisíveis acompanhavam aquela solidão mestiça, Roman negligenciava a idiotice e o destino, nisso era um homem admirável e inteligente, assim escapava de uma banalidade morta, de uma simplicidade estéril; costurava suas vísceras diariamente, por vezes deixando algum rastro de verme, e não vacilava em sua superficialidade, quando esta lhe era possível, já que nosso curioso Woolgar era um poço desconhecido. Como num salto, um belo descanso de si apareceu, era Natalie quem batia à porta, já pela énesima vez desde o apagar de suas idéias vãs. - Vamos, Roman, sei que está aí, sinto cheiro de chá, seu bobo, abra!