sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Sinto muito:




Sempre que pensei em dar-me um tiro

Terminei em versos



Porque amo tanto o gosto da vida

Minha própria fraqueza obstrui-se



Nunca permiti que o lirismo

Usurpasse um deus



Não culpo quem vestiu a

Brutalidade com a carne nua



O sol deposto sobre o trigal é

Van Gogh sendo-nos triturado



O mar é tudo que deus

Não permitiu ao homem sofrer



Morrer é uma sorte,

Fui condenado a felicidade da vida



E um saco de lixo preto, surpreenda-se:

É mais útil que um poeta




segunda-feira, 8 de julho de 2013

terça-feira, 21 de maio de 2013

Outro Cummings Ar



É o amor que move
e remove a vida
é só o amor que mo(
ve)
rre

(movo-me para encontrar
a senha arqueológica e pinçar
a camada exata do teu perfume
sobre mim, movo-me cada vez mais.
fundo para tua luz)

É o amor que morre
e a vida são meus passos
na tua direção
                               É só
a vida o que há-de
mover

(amo-te para dizer como
quem volta a andar:
tocar a tua mão, encontr
a
- brigo -
r)

Quem morre é amor
Só o amor que
-ima -
vive

(vivo a chegar no teu colo
eliminando a lista ordinária
das coisas pra depois:
em cada um dos teus olhos
abro os meus, agora,
numa floresta de Avatares)

Movo-me novo
sobrevoando a vida
de repente so-
rindoriente
em teu jardim japonês!





quinta-feira, 9 de maio de 2013

O exército


Eu durmo abraçado em travesseiros
                                             de Kiev
       
                E esta travessia é mais difícil que 
                                                            a noite -

                                                               
                                                    Estou içado


                                                                                No fronte


                                                      (Sem vento)

                                     Morno que há


na masmorra da alma. -

Durmo sem travessias,

                      Êmulo dos dias

                           Não há mais bandeiras

                  Qualquer coisa

             É uma coisa

a menos 


ou mais

                                                                         um Tiro!






domingo, 21 de abril de 2013

1993



Não verti em poemas senão as mágoas
Nem soube aparar as pontas desse destino
Deram-me um tiro na têmpora quando menino
E daquela água turva, crivando meus olhos pequenos,
                                                           [não me safei

Ainda percorro uma casa assustada e vazia.
E do pátio vem apenas uma saudade que
                       [funde um areal sangrento
Não há nuvem que condense a morte de alguém
Não há despejo dos olhos que termine

O carvão da vida vem e risca-te
uma parábola homogênea e putrefaciente:
 - daqui pra frente vais morrer nos instantes.
Não tens por que doer por tanto, tanto
que não há razões, nem matéria, nem vocábulo
                                           [de cura e perdão

Trago a ferida aberta do ser-humano - nem todo
Apalpo suas bordas e entoo o cântico,
rabisco o pérfido fantasma e o recorto em pranto

Ao final, vacilo em doçuras
eu lembro do que é mais perfeito nos homens
Eu toco as cordas de meu animal mais bonito.



sábado, 13 de abril de 2013

Amarga despedida



Fiz-te traços e despojos
Sacrifiquei-te cem vezes!
E ressuscitaste nos olhos de outro

Foste a desrazão no coração das coisas

Na memória resta teu colo fúnebre,
o caramelo sadio dos gestos
Restam os objetos e um sóbrio desdém de tudo

A carne a e esperança restaram
na álgida marca do tempo
Tuas frígidas lições de moral também restaram
Num sorriso irônico que entrego a ninguém

Teu caule nascido sobre a terra
faz sombra e draga minha água morta
Agora tu cantas com a voz que nunca sonhei

Mergulhas no rio onde findei
Mergulhas e nunca mais virás a tona de mim
Saíste dessa aguardente exímia sobrevivente

E de todos os meus ultrajes, invicta!


segunda-feira, 8 de abril de 2013

Biografia




Pouco antes de nascer,
Fui um espectro infante dentro de um Opala
Não tive terra natal; surgi ex-nihilo,
num domingo de sol, na cidade de um santo -
cheirando a cachaça e com um gosto de melado.

Muros não havia. Eu via todas as casas da rua,
De repente, um frango assado e um sinal de amizade.
Casa, comida, pitangueiras e a calçada
Eu não tinha medo e nem sabia que o medo
Era o pior convidado. Dei de ombros e fui brincar.

Voltei pra casa, embarrado e de alma lavada.
Voltei pra casa descalço; sem camisa, sem cansaço
Sem desterro, sem pudor. Voltei e voltava com
Brilho nos olhos e os joelhos rasgado. Aliviei.

De vez em quando, guardava a casa ao lado,
Atento ao vagar betuminoso da velha. Coitada.
Cair nos olhos de uma criança, a formiguinha diabólica.
Sorte dela é que o tempo
E o mundo cingiam uma pressa misteriosa.

Certa vez, um escambo ardiloso: negociei
com meu irmão mais novo um brinquedo preferido.
Em troca: o lugar na fila do banho.
Intuito: restar no pátio a sós com uma menina,
sob o delicioso delito dos enamorados.


O sol, todas aquelas cores, os banhos de chuva,
Os dias de escola, os meninos e as meninas
Os inocentes e obscenos primeiros-amores;

Todos me enganaram.

Morri num domingo de sol. O exílio mais dolorido.
As cores avermelharam. O doce largo das ruas
Estreitou-se nas sombras de uma insônia sem fim.
No assoalho maldito o medo e o seu eterno peão.

Do lado de fora, o fantasma daquele menino
continua lá, sentado no portal de casa
Às vezes, os passos da velha...
E o mais estranho. Debaixo do meu nariz, recendia a verdade:
a velha tinha nome de flor; e sempre um cheiro de morte


segunda-feira, 1 de abril de 2013

Uma canção de ninar



Como se não houvesse mais que

A simplicidade do abandono.

Um buraco cada vez mais largo e vazio,

Cada vez mais difícil, mais difícil...

Dizer este impossível, incompleto luar



O calabouço noturno dos cafés,

As esquinas e postes giratórios

E o rotor insustentável das sensações:

Nada se conforma nestas hélices doídas



Nem o uivo dos cães é bonito

Debaixo dessas cortinas de brilho estático

Debaixo desses telhados deprimidos

No interior desse moinho sinistro: o coração



Um raio, uma adaga, um disparo,

uma manada, o bom deus, Belzebu

um SMS da sétima lua de Saturno!

– nada disso.



Apenas o insólito conforto do algodão

E um telescópio voltado para dentro

- a procura de um ultraleve acontecimento



segunda-feira, 25 de março de 2013




Havia a marca da tua boca num dos copos.

Sentei na cadeira que te deu assento,

Estendi a mão buscando o palmo

Onde a tua, supostamente, havia pousado.

O fantasma delicado destes traços

Ganhava agora textura e gosto antes desencontrados.



Deu de vir à tona nessa hora uma velha esperança,

Mas a hora já ia tarde.

Deu vontade de seguir teus passos.

Mas teus passos já iam longe. Deu vontade, então, de engolir

Distâncias; de engolir-te inteira; de voltar atrás e engolir o tempo.



De nem saber mais ter vontade, a saudade engasgou.

Senti a marca da minha boca nesse quase-corpo,

Tua alma já cabia no claro esboço desse quase-amor.



Deu de vir aos olhos - nesse espaço sem vozes,

a graça de um gafanhoto sonhando

textura e gosto de estar de novo em casa;

deitar na grama; respirar 



Não posso ir. Não sei voltar -


segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Arquivo A-P;31-41




Adam Plotz viveu em Southern Island, EUA. No museu da 2 ª Guerra da pequena aldeia, num canto discreto e esquecido do salão de mármore encontram-se cartas e bilhetes da época. No meio de tantas histórias, um pequeno rascunho amarrotado e sujo. Segundo a legenda, fora achado na estação férrea da cidade, debaixo de um banco de espera e, portanto, nunca entregue. O destinatário era Elza Lieber. Sabe-se que era uma tarde de outono, de 1941. O destino de ambos é desconhecido.

(Traduzi livre e despretensiosamente o que ninguém viria a saber, pois o gênio está nas horas perdidas).


"A verdade é que não sei viver sem teus olhos claros.

Eu não sou um homem correto. Nunca fui. Apenas educado, às vezes bem arrumado. Nenhuma disciplina até hoje conseguiu tornar o hábito das coisas corretas superior ao impulso mais recôndito e às circunstâncias. Isso porque tenho uma virtude nem sempre virtuosa: eu penso. Isso porque tenho um vício nem sempre vicioso: eu me apaixono. E todos que já tiveram esse privilégio sabem que alguma indisciplina sempre convém a reflexão e é nuclear à paixão. Então, como poderia promover-me, enaltecer-me? Seria uma farsa. Aqui e agora estou sendo honesto. Mas nem sempre consigo; sem receios, poderia afirmar que na hora mais exigente é mais fácil fugir, omitir ou mentir. Como eu poderia amar se o que mais faço é defender-me. Se amo exageradamente, dói porque é demasiado. Se amo parcamente, dói porque é escasso. Em ambos os casos, é mais fácil defender-se; fingir, renunciar, acusar.

A verdade é que o lugar mais feliz de viver é nos teus olhos claros.

Eu não sei se você tem nome. Mas eu sei como te pronunciar. Eu não sei lidar contigo. Mas eu sei do que você gosta. Eu não gosto quando você não gosta. Mas eu sei quando eu deveria não gostar. Eu sei do que você tem fome. Mas eu tenho hora para almoçar. Eu sei o que te incomoda. Mas eu não entendo o incômodo. Eu sei que você aprenderá. Mas eu não sei se posso esperar. Eu sei o que te dói. Mas eu não gosto de ver. Eu sei como você me destrói. Mas eu não quero saber. Eu sei o que te apavora. Mas não sei como escapar. Eu sei que você me ama. Mas nem sempre eu gosto de você.

A verdade é que eu não suporto o assalto da tristeza nos teus olhos claros.

Eu sei que as vezes eu sou vulgar. Às vezes desprezo, outras ignoro. Eu falho. Eu choro. Eu me arrependo. Mas o faço porque estou vivo, sem me desculpar. Não é fácil ver tempestade e raios no claro dos teus olhos. Não é fácil saber-se um reles diante da tua mirada. Não é fácil perder a morada na tua gentileza, nos revezes da tua imprudência, nos lapsos da tua calma, nos sabores da tua alegria. Não é fácil não reconhecer tua beleza. Não é fácil implorar ajuda e encontrar fraqueza. Não é fácil esperar e ficar sentado. Amar-te fora um equívoco sem volta. Não te amar seria um equívoco sem perdão.

A verdade é que sem o segredo dos teus olhos claros só restaria o embotamento dos meus;
A verdade é que o melhor lugar para morrer é na ausência dos teus.

Carinhosamente,

Adam.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Dois mil e nada (revisitado)



Quando os olhos se enchem por dentro.

um lugar sonha. Põe-me os pés de molho.
põe-se num facho de luz a tocar os pés e a expandir-se.
o lugar do sonho a enterrar o sonho.
a mansarda de um nômade a manobrar a matéria semiviva do corpo.
Onde surge o desconhecido. Onde um sentimento a menos basta.
Onde os olhos doídos não se fecham mais em águas.


É a sincronia do retardo, a máxima.
As água, os olhos, os sonhos... Apodreceram.
O corpo não responde mais a ilhada, não sangra mais,
Não pede mais. Eviscera a palavra Nada, quase toda palavra.
Os olhos, meus olhos, me olham com ares de certeza. Sem raios.
Só a carcaça.

Tem no mundo mais que a besteira de doer e não doer?
Tem mais que a de pensar ou não pensar?
Pois tem a de estar e não estar. E a pior, a de ser.
Mas o mundo está nem aí, está só, na ideia do lobo,
Do dia, da gota, do beijo, da sopa e da linha absorta do tempo.

No sonho, teus olhos contavam maneiras de mentir.
Dentro deles um campo extenso, dentro deles uma vida exata,
Dentro, uma vida inteira.
Havia abismos e manadas. Eu estava preso.
Havia fogo, a faísca do homem, havia carne,
havia sentido. Eu estava preso na felicidade.

A diacronia do atraso. O passado que vai passando sem passar.
O arrasto que vai cessando sem cessar.
Como revisitar o lugar amado na memória,
em que todos os sentidos se embolsam no agora, na resposta,
na besteira-vitória de estar em pleno andar e ver.

quando sabedoria não leva a nada. A Estrada não leva a nada.
A poeira sim, a levar à poeira, ao poema, ao boêmio,
ao passo mais incauto que o do primeiro macaco,
aquela ilhada - que é a alma desalmada. O símio robô
no peito a bombar as desilusões do homem.

A seriedade do olhar que recusa e mata.
O êmulo do finito quando explode em trezentos mares

Chama-se Acordar!*


*(Há um outra versão deste poema mais abaixo. 
Não me importo de publicar esta edição. 
Há textos que merecem um veredito. 
O fiz como se fosse inédito. 
Eu não lembrava do primeiro.)

de costas



...não sei a quem falo.
Fui arrastado pelo caminho.
A quem suplico,
Se a ti, Mulher, estrela ou luz e lágrima
Ou ninguém

Do adro de onde vejo, avesso
Pareces Mulher, e às vezes estrela
Às vezes só a nuvem baça e lágrima
É só Palavra, às vezes eu sei

Me basta e não basta
Veleidade, frivolidade, ódio
Tudo num cálido coração

Persegui teus acentos mais híbridos,
teus enlaces desesperados,
te encontrei nos versos mais pobres
No fim das madrugadas, bêbado,
te elegi miserável.

Fui teu encontro soberbo,
teu resquício inócuo, apenas fiquei para trás
Fui teu rei, tua espada, tua queda
Fui Palavra - sendo teu desterro,
tua impressão viciosa - sendo teu rastro.
E tua hereditariedade macabra: sendo Nada.

O começo, o impulso e a lástima
Fui a ponta dos dedos roçando a relva devagarzinho.
O marido que te perdia acordado, assim
Fui teu adro, cuspido sem casa

Lancei meu Fogo ao feno das águas passadas,
e agora aqueço as mãos sobre as chamas.