domingo, 27 de fevereiro de 2022

Afins & fevereiro

Noite noturna
De olhares estranhos
cercada de campos
Campinas alma ânimo

Coração alpinista alpino
Continente nepalino,
Esqueceste mormente uma
Bandeira cravada em meu caminho

Dança trança dançarina
Cruza pés cabeça andança bailarina
Arraia miúda muita-me nunca o bastante
Úmida Lúcifer coruscante

Encastela reflui esconde
Sob olhos feridos zeferinos
Joga-te no hades comezinho
O tédio vetusto das tardes

Solidão solaris minha alegria
Meu canto cantoria
Tânatos folião, Eros ladrão
Meu samba canção hamartia


sexta-feira, 11 de fevereiro de 2022

Boa noite!

Procurei a mesa do bar, nem mesa nos deixaram.
Mas havia a lua, e a mais cintilante quadratura da esfera:

Um amigo - aquele que dobrou o mar de hipóteses com a força dos amores impossíveis - perscrutava a vida em cada esquina dos meus apelos e celebrava cada cem de sete dos nosso erros.

Em cada palavra, cada lembrança e lapso,
Cada confissão onde eu demonstrava
Por A mais B, apesar do estrago, torto cálculo... que não era delírio, era dádiva.

Valia a pena a dúvida, o lamento, o declínio, o recomeço dos tempos, as parábolas e voltas da terra ao redor do Sol,
As ameaças do antropoceno, o gelo,
Anestesias, o terror, os romances médios, os poemas pequenos, avisos, amavios!

Nada disso. Era ele quem demonstrava com a certeza de quem já ruiu e manteve
a voz, o ritmo, a bruma das noites em plena rua e no último minuto, lançara as cordas do futuro.

Eu espalhei decadente tempestade. Ele devolveu um tango dos guarda-chuvas. 

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2022

Bom dia!

Desci as escadas já moído para o café
O coração feito manteiga derretida
Na mesa, a cesta de toalha xadrez
E com ela o pão que o diabo amassou,
Uma xícara rachada e duas colheres de dó

Não faltou a porção generosa de mel amargurado
E o arco de uma maçã envenenada.
O café? Passado!

Pela janela, a doce repugnância do dia:
A grama estava seca, a cerca derrubada
Um pneu furado e uma pomba abatida.

Manchei a camisa branca de rancor.
Mordi a língua. Não esqueci de pisar
O rabo do cachorro. Sentei no chão
Daquela cozinha de lástima profunda.
Claro, uma felpa acertou-me a bunda.

Senhor, socorro. Era só um café e ponto. 



domingo, 6 de fevereiro de 2022

 

 chorei fazendo coisas banais, chorei porque era domingo

atravessei uma rua, pisei em cacos de vidro,  

na esquina uma roseira cobria um muro pálido

um pai esperava o filho de braços abertos

uma porta rangia distante, um pássaro voava sem rumo

no chão estava escrito “se joga” nas duas metades de um bilhete 


tentei suturar em vão um coração partido

um pouco de cada em mim, e os meus olhos

marejados tingindo o arrastar do dia, meu próprio arrastar


chorei pensando coisas banais, chorei porque não estarei contigo

quando as chuvas do outono chegarem, num dia qualquer

de um mês qualquer, não vou pegar da tua mão,

não haverá música


às vinte e duas horas do dia 3 de junho não estará mais

pensando em mim, eu não ficarei mais sem jeito ao teu lado

não haverá arrepio, zelo, sonhos, olhos fechados


teu nome, que tanto amo, será apenas o nome de alguém

meu nome será apenas um nome


no final da rua, um minotauro vigiava um labirinto sem saída,

pensei que era o fim, então ele me abraçou, sentamos

estendeu-me a mão quando eu gaguejei:

ainda é verão e faz tanto frio

ainda é dia e por que tantas sombras?

ainda amo e tudo é passado

ainda sigo o rastro e estou tão perdido


chorei porque chegou a noite, porque caiu uma estrela, 

porque abri o livro e só restavam poemas que o tempo extinguiu 


chorei antevendo o equinócio da primavera:

quando o céu despejar luz sobre as flores,

não será a tua luz, não serão as minhas flores,

o céu que era nosso não mais será 


chorei lembrando a certeza trucidante de A vida breve:

“o mal não está em que a vida promete largo e 

dá estreito; o mal é que ela sempre dá e depois tira.”


chorei implorando um pouco mais de ar, que eu

pudesse ao menos chorar em paz… o coração não 

deu ouvidos, havia um amor infinito atravessado na minha garganta.