segunda-feira, 4 de abril de 2022

Mais do mesmo

Quando acordei já senti
um coração em falso
não te achei aqui, nem ali, nem lá
não era metade, nem lamento
era só o presente passando ao largo do largo da saudade

termina assim, sempre antes de sabermos
quando pareceu mais grave fez-se gasto
quando pareceu intenso fez-se fraco
terminou sóbrio quando urgia embriagado

não apelei ao melhor amigo, nem houve uma tarde amarga
foi de graça, entendi assim
o amarelo desamarelou na manhã de domingo

encontrei no passo da segunda-feira
o sentido da caminhada, era deixar passar:
chuva que não molha, deixe-a

termina assim, o nó na barriga não amanhece, 
o sol desce
e tanto faz qual dia será

não, não há nada em troca
quem sabe alívio, eu saí à rua
e a civilização desaparecia, 
não desesperei catástrofe, havia talvez uma hipótese

o tambor da nossa terra parou de bater,
o poema era o último repique
numa via mal remendada

notei que a vida exigia ainda mais,
era março eu tinha de sorrir:
o perfume do outono trouxe
o assovio do meu avô e um vagalume acendeu

entendi o amor na solidão.

domingo, 27 de fevereiro de 2022

Afins & fevereiro

Noite noturna
De olhares estranhos
cercada de campos
Campinas alma ânimo

Coração alpinista alpino
Continente nepalino,
Esqueceste mormente uma
Bandeira cravada em meu caminho

Dança trança dançarina
Cruza pés cabeça andança bailarina
Arraia miúda muita-me nunca o bastante
Úmida Lúcifer coruscante

Encastela reflui esconde
Sob olhos feridos zeferinos
Joga-te no hades comezinho
O tédio vetusto das tardes

Solidão solaris minha alegria
Meu canto cantoria
Tânatos folião, Eros ladrão
Meu samba canção hamartia


sexta-feira, 11 de fevereiro de 2022

Boa noite!

Procurei a mesa do bar, nem mesa nos deixaram.
Mas havia a lua, e a mais cintilante quadratura da esfera:

Um amigo - aquele que dobrou o mar de hipóteses com a força dos amores impossíveis - perscrutava a vida em cada esquina dos meus apelos e celebrava cada cem de sete dos nosso erros.

Em cada palavra, cada lembrança e lapso,
Cada confissão onde eu demonstrava
Por A mais B, apesar do estrago, torto cálculo... que não era delírio, era dádiva.

Valia a pena a dúvida, o lamento, o declínio, o recomeço dos tempos, as parábolas e voltas da terra ao redor do Sol,
As ameaças do antropoceno, o gelo,
Anestesias, o terror, os romances médios, os poemas pequenos, avisos, amavios!

Nada disso. Era ele quem demonstrava com a certeza de quem já ruiu e manteve
a voz, o ritmo, a bruma das noites em plena rua e no último minuto, lançara as cordas do futuro.

Eu espalhei decadente tempestade. Ele devolveu um tango dos guarda-chuvas. 

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2022

Bom dia!

Desci as escadas já moído para o café
O coração feito manteiga derretida
Na mesa, a cesta de toalha xadrez
E com ela o pão que o diabo amassou,
Uma xícara rachada e duas colheres de dó

Não faltou a porção generosa de mel amargurado
E o arco de uma maçã envenenada.
O café? Passado!

Pela janela, a doce repugnância do dia:
A grama estava seca, a cerca derrubada
Um pneu furado e uma pomba abatida.

Manchei a camisa branca de rancor.
Mordi a língua. Não esqueci de pisar
O rabo do cachorro. Sentei no chão
Daquela cozinha de lástima profunda.
Claro, uma felpa acertou-me a bunda.

Senhor, socorro. Era só um café e ponto.