quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Certas coisas, Henry





















“Coisas, certas coisas em meus ídolos trazem-me lágrimas aos olhos: as interrupções, a desordem, a violência, acima de tudo, o ódio que despertaram.” H. M.

A gonorreia! A crítica, a síntese, a maravilha do senhor Henry Miller. Tudo contra o Ouro, símbolo do Ideal, de qualquer ideal, da falta de coragem e força de espírito do pequeno homem civilizado.Toda extensão de Montmartre, os cafés, sobretudo os prostíbulos; todas as estações do ano e as horas do dia; os piores quartos de hotel e as putas mais esquisitas de Paris; os golpes, as farsas, a penúria dia-a-dia. Tudo contra o Ouro. A verdadeira metafísica de Henry era o seu próximo pedaço de pão seco, nos dias ruins, ou a refeição suntuosa, nos afortunados. E sempre um trago, a qualquer hora, em qualquer lugar, de preferência os mais sujos, moralmente falando. Nenhuma grande expectativa, nenhum tempo que fosse para o flagelo emotivo e edulcorante do Eu, nenhum sinal de “querer ser” algo. Nenhum otimismo barato, nem pessimismo eloquente, vê-se um realismo íntegro, honesto, direto e bonito. No limite, nenhuma literatura. Um Rousseau pouco arrazoado, pouco ajuizado, nada prudente; um exilado sem desgraça, caminhante sem devaneios, um solitário sem solidão. A gonorreia! Sim! O purulento álibi da imanência. Em páginas certeiras, após anedotas venturosas, o suco literário, o sexo das ideias, o barro primitivo dos corpos e das entranhas divinas. A graça, Henry faz graça! Um homem virtuoso não necessita da felicidade, mas deve saber rir como ninguém, deve fazer rir, essa é a arte, isso vos leciono com toda a certeza. Depois de atravessar seu Trópico de Câncer... Concluo-me mais despedaçado e mais inteiro. Ali passaram as quinze páginas que me ergueram novamente, páginas sangrentas, incendiárias, pragas-motoras, máquinas-líricas-uterinas. Coisas, certas coisas. Maldito seja!

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

o Nome















A vida é só um nome.
Uma ranhura que apaga.
A vida é breve: FPK
A caixa de descarga de um bar vencido.

A vida foi um nome
que arrodeava a tua volta.
Era uma volta e mais uma volta
a enrolar o teu cabelo liso.
A vida embaraçava teu riso, tudo.

A vida se despiu num lusco-fusco,
depois enterrou-se
num balde de concreto.
Era um riso e mais um riso no meio de outro riso
a desenrolar o teu lado escuro.

Tem nome pra dizer tanto adeus,
tem riso que dê tantas voltas?
Tem riso pra tantas revoltas?
Tem ainda? Nessa vida escura:
FPK

Tem um rosto desenhado num rosto:
pobre sobreposto que desdenha, só
Tem uma caixa, numa casa vazia,
num mundo concreto, num...
Que não é meu, nem foi.
E que todo mundo diz e arranha.

Quem sabe o nome, quem sabe o que diz,
quem sabe é breve?
Não volta. Não revolta.
Não pergunta se está na hora
E se apaga


terça-feira, 27 de novembro de 2012

O que não



Sem esperança e sem desespero.
Falta-me a calma e na
alma contradigo-me com espinhos de aço.
Os anos trazem algo estranho e
a praga cartesiana assola cirurgicamente,
assassinando a primavera do Tempo.
O corpo sobrevive e a mente se exaure
na velha cadeira de balanço da apatia.

Tratei esse vício com doses potentes de paixão.
Atirei-me no fundo desse liquidificador.
O corpo estonteado alcançava as idéias de um lado,
e do outro, a mente turbilhonava braços e estômago.
Éramos um Coração! Mas tudo falhou.

Agora restam lapsos desconjuntados onde
antes houvera grandes temporadas.
Segunda-feira, o trabalho;
Domingo, o tapete amarelo de flores
 e as luzes de mercúrio ao fim da tarde;
Sexta, a alegre folia, plagiando deuses antigos,
relembrando os entusiasmos da vida,
considerando com enorme coragem
o que hoje é a mais triste bagagem, o futuro.
Hoje, de verdade, bastam as horas aflitas.
A nostalgia, a consciência e as doses amargas do Destino.

Contra todos eles a Força e o seu claro-escuro da vitória.
Se houver Força.

Eu me pergunto que fundo é este,
o sentido de tudo, a seta dos deuses.
Não me pergunto mais.
O Deus, o éter, o ver de cima e comparado
e o tamanho relativo de cada coisa,
o ar puro dos cimos, a saga de alcançá-lo,
a mais esbelta das aves e o mais desconcertante dos vôos,
os cavalos alados, os dragões de guerra, a brilhante queda. 
Tudo está no alto.

E agora se perguntam onde está o problema.
Eu vos digo, é o hiato da existência, a Tragédia.
A realidade das pedras, o ato-falho dos átomos,
o estrondo das ondas, e tudo que se lhe assemelha e
irrompe como um imenso nó na garganta –
O esplêndido dinossauro terrestre.
Que não dorme, não come. O Diabo existe. Porque sonha.

terça-feira, 30 de outubro de 2012

Estou errado em dois mil e nada.





Não acenda a luz, por favor.
Meus olhos estão cheios.
Não acalme nem desvie os seus. Deixa o escuro
Respirar o facho; deixa o cansaço servir.

Eu sonho um lugar e nele ponho os pés de molho,
Eu sonho a expansão do facho envolvendo os pés,
Levando-os ao lugar do sonho, enterrando o sonho.
O que não é lugar, isto é acordar. O que é sonho manobra a matéria.
O que surge não sei. Eu sinto um sentimento a menos e basta.
Os olhos doídos não se fecham mais em águas.
A luz é uma porta aberta sem espera. Sem graça.

É a sincronia do retardo, a máxima.
As água, os olhos, os sonhos... Apodreceram.
O corpo não responde mais à ilhada, não sangra mais,
Não pede mais. Eviscera a palavra Nada, quase toda palavra.
Os olhos, meus olhos, me olham com ares de certeza. Sem raios.

Tem no mundo mais que a besteira de doer e não doer?
Tem mais que a de pensar ou não pensar?
Pois tem a de estar e não estar. E a pior, a de ser.
Mas o mundo está nem aí,  está só, na ideia do bobo,
Do dia, da gota, do beijo, da sopa e da linha absorta do tempo.

No sonho, teus olhos contavam maneiras de mentir.
Dentro deles um campo extenso, dentro deles uma vida exata,
Dentro, uma vida inteira. 
Havia abismos e manadas. Eu estava preso. 
Havia fogo, a faísca do homem, havia carne, 
havia sentido. Eu estava preso na felicidade.

É a diacronia do atraso. O passado que vai passando sem passar.
O arrasto que vai cessando sem cessar.
Como revisitar o lugar amado na memória,
todos os sentidos se embolsam no agora, na resposta,
na besteira-vitória de estar em pleno andar e ver,
de rever a vida que já morreu.

A sabedoria não leva  a nada. A Estrada não leva a nada.
A poeira sim, leva à poeira, ao poema, ao boêmio,
ao passo mais incauto que o do primeiro macaco,
aquela ilhada, que é a alma desalmada. O símio robô
no peito, que bomba as desilusões do homem.

A seriedade do olhar que acusa, recusa e mata.


terça-feira, 2 de outubro de 2012

Bem distantes




É só um bloco uniforme no céu,
é só uma forma geométrica comum.
É só um círculo, da cor sem cor trivial.
Qual a tua dignidade, então?
Não tens vida, não tens luz,
satélite à mercê, falta-te mesmo gravidade.

Por que és a canção mais bonita dos noturnos?
Pletora de apócrifos, assim é que meu coração
gostaria de ofender-te.
Falsa rodela de emoções.
Mas tua mentira, teu contorno, teu véu...
Maldito júbilo que pariste nos amantes.

Os galhos esguios te apontam,
parecem chamar-te, úmidos.
As gotas do orvalho despencam das calhas
como se os telhados chorassem secretamente.
Que meus olhos nunca tivessem visto
este desespero dos zincos.

Nem sentido há em tua imagem,
gigante tambor de solidão.
Vês, contradigo-me, é o mal de tua nudez,
o mal de teu vórtice feminino, o mal de tuas
ordens sobre a desordem dos canalhas.
Devolve em teu reflexo a pobreza de minhas marés.
Vês que entrego-me ao teu mal.

Cortaste a cúpula escura calmamente,
enquanto o tempo agonizava aqui embaixo.
Lânguida noite, lânguido horizonte.
Como chegaria o sono, se teus módulos
impelem meus nervos a uma gentileza sem fim.

Os galhos esguios dos meus braços que te chamam,
as gotas do meu orvalho que calham
agora sobre ti. Acho que neste falso momento para mim,
e eterno para ti,
colidimos nosso longínquo passado, 
nossas rochas liquefeitas deram-se as mãos.

terça-feira, 25 de setembro de 2012

Nave imprópria





o tempo é o ópio de uma terra atordoada
o tempo é ópio, o tempo é uma nave imprópria
e eu o opróbrio do tempo, e o tempo meu alento
meu neném

eu neném do tempo
tempo um trem sem fim,
um trilho de além, eterno triz de algum
de alguém, de quem?

um tempo sempre ermo,
doendo à contrapelo, esse tempo
que me entortou por dentro

o tempo de quedar por dentro,
sem alvo
nem pausa, nem náusea
sem ocaso

tempo do simples atordoamento,
inverno dos olhos gris, 
terra do invento motriz
que curva por dentro do tempo
um nome tangente chamado alguém


terça-feira, 11 de setembro de 2012

"Mi reino no es de este mundo"



Meia-noite. Verão. Noite amena e melancólica.
O ruído de grafite, o lento ventilador e os grilos.
Posso escrever nas sombras. Cansado e preguiçoso,
tisnando a imaginação. O que faz falta e o fundo que
é nada me apertam. Ouriçam as pernas. Bem aqui dentro
um movimento centrífugo.

A memória apaga o presente. Nela, vagos e coloridos dias.
Plenos na lonjura. Vivo nos instantes. Descolando de mim.
Na parede em frente vazia, contrasto esse duplo distorcido.
Retrato do que não é. Réplica difusa da tristeza motriz.
Entre uma falsa imagem e um corpo arisco. Num recomeço
que jamais se atinge. No qual o falso corpo e a imagem arredia
são relançados. E calados se resignam. Como este gesto
de apagar a luz do sala, do dia, dos olhos, da saudade recalcitrante.

E sair.

Então o conforto da barcaça onde não somos. Onde mais
condizem os decadentes. O sonambulismo das massas e músculos.
A vertigem dos raios das luzes das ruas. Úmidas e vazias.
Dos homens sinistros e trajes escuros. Dos objetos escusos.
Dos gemidos tecidos em seda e constritos em mãos obesas.
Dos sustos de uma trégua possível que barre essa polução doente.

Mas súbito a névoa recua. A manhã se avista, arrastando-se licorosa.
A efêmera e banal tortura de sentir-se. Um pouco de reviravolta.
Nada adiante. Nada além. O infrutífero e senil recomeço das horas.
Pálidas e lúbricas iridescências da morte.

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Meus parabéns

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Trinta anos. No essencial, não mudei nada. Ainda tenho medo do escuro. Não do escuro, é da luz escura que invade a claraboia da noite. As sombras, a penumbra, os feixes dos postes, as sirenes vermelhas, o escuro visto de olhos abertos, minha escuridão, a possessão da noite, o nervoso desterro que cada segundo, no ruidoso silêncio,  vai roubando aqui dentro, na caixa preta do meu peito. Uma teimosia nuclear em ver-se e sentir-se uma fenda, os dois olhos de um gato, e um cisco de nostalgia a turva-los.
Olhos de gato, coração de cachorro. Sede e burrice canina. Nessa última virtude extrapolei no esmero. Sabendo o que era certo, na hora certa, fiz tudo errado. Ou estou enganado. Não sei. 
De tudo que disse e deixei, honestamente, não quero nada de volta. Talvez o cabelo, caso precise ir à terra de topete. Melhor não. Que me comprem uma peruca negra e me fechem com um vestido justo e vermelho, olhos escandalosos e boca escarlate. Porque depois daqui, pretendo emputecer o céu. Morrer tem que ter ao menos uma graça. Paz, eu até poderia almejar, mas não sei até hoje o que é. Perto ou longe, prefiro a pé. E se for de comer, Alá!   
Daqui para frente, pouco. Meu imaginário é manco e foi depauperado, não tem força de tapar os furos da realidade. Numa dessas a tristeza arrima-se. Um desgraçado me faz chorar. E outro me pinta de novo um palhaço na cara. A fossa, se não me engano, não é minha cachaça, mas destila-se bem em mim, dou-lhe boa cama e bom cobertor. Mas o riso, ah, o riso, estas cócegas tão mansinhas da alma, como as adoro! Mas ao público, revelo mais as mágoas, tristeza ninguém inveja.
Assim, de vindas e idas vou-me chegando aos trinta. Se bem reparam, afinando a rima. Do humor ao pó. Da garganta, o nó. No meu coração, só, muito só... Só resta bem-viver a este singelo Pantaleão... ou Pedro-Bó!

Pantaleão contava uma história de pescaria:

Pantaleão: - Daí eu joguei a mesa pro tubarão e ele engoliu inteira!
Pedro Bó: - Engoliu inteirinha?
Pantaleão: - Inteirinha não... ele deixou os prego no canto do prato pra tua vó comer, Pedro Bó!*  


Se te encontraste temeroso ao ver-me no ínicio,
aposto que depois de inteiro ter-me visto, 
se não te atiraste desdenhoso ao chiste,
terminaste feliz num riso.



*Personagens de Chico Anysio.
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segunda-feira, 6 de agosto de 2012

doido, sem acento


Veleja por essas águas calmas e silenciosas,

Por essas cortinas escuras, por esse

Espelho sombrio da lua, teu olho é o teu momento 

sobre esse fundo difuso.

Vê, esse é o teu quarto,

Teu barco, tua alma, teu claustro.


A deriva, teu bote sinistro

Caminha sem rumo. Vai de um canto

A outro do quarto, animado por não sei

Qual correnteza desse claustro,

Que são os percalços do teu pensamento.

Bate num canto, no outro, volta ao centro

Desse nefasto redemoinho.



Vê agora teu coração, é o corredor

De um imenso orfanato. As lajes frias

Dessas encostas são tuas. A esperança

Confusa que ali ecoa é tua. Os gritos

Dos infantes são os teus. O medo

Agravado da noite é teu:

Companheiro de travessia, tua ilha

E teu travesseiro.


(Olhos abertos e a boca seca...

Costelas a mostra, os pés descalços,
os anjos e as bestas, eis teu núcleo elétrico,
o som das vespas, tua única chance)


Maldito, vejo que não apela ao naufrágio.

Não sucumbe a matéria bruta, por que insiste?

Fecha os olhos para nutrir ainda mais

fundo o teu precipício, vamos, desespere!


Diabo! Não tem limite? Por que não chora? 

Que traz debaixo dessa veste escura?

Ah, deixa-me ver. Credo! Algo de infinito.

segunda-feira, 30 de julho de 2012

Sem nome





















teu túmulo não está em paz, rapaz
teu túmulo está vivo, a terra não é teu lugar
o tumulto é teu cansaço
tua morte está viva,
tua paz é ausente, teu infortúnio
teu incorpo, teu inchaço
o desagravo é teu consolo,
e não te consolas de nada
tua gravidade a cada inverno infarta,
ar que falta aos bufões de teu coração,
oração que soa à toa em teus cordões

tua luz é fraca e atravessa uma poeira clemente,
tua vontade está doente
e de fria insistência insiste em não raiar
lá fora te alugas por pouco, não te vendes a ninguém
mas teu também não és

vês espectros de saudade atravessando as portas,
teus olhos, estas pedras indulgentes, 
satisfazem-se nessa besteira,
mas tua alma, descortinando o úmido catre,
revolta-se contra estes sábios imbecis

tens dons de sabedor, ruidoso aprendiz
tua capa é rude e dura, mas tuas páginas
têm fina brochura, só não vês se não quiseres
abra teu livro, reinventa o crivo de tuas tintas
sobre a pele roída de tua memória

esta nostalgia do mar que te açoita,
resgata dela o ouro que te falta,
ponha tuas botas de novo sobre o chão,
volta para terra e não finjas que estás morto,
nem cuspa nos outros só porque te fazem solidão

abra tuas velas e desvele teu outro mar,
ignoto andar que leva a ti,
transeunte lunar, ferreiro das dores,
estratosférico olhar

quarta-feira, 11 de julho de 2012

Pacas


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Trinta anos não curam a ferida de ter nascido,
Nem o passo sequer acerta o chão com mais afinco.
Por sinal, o acerta com menos.
O que se faz com um sonhador que não dorme?
E os anos de relva, de latitudes rasgadas de puro ímpeto,
De alturas sugadas pelo gozador da juventude; esse tempo passou?
Tempo em que os goles de água salgada tombadas pelo mar eram
Incomensuráveis aos... aos... aos... cafezinhos de esquina!
Saudade? Não. Este é um embrião morto no meu ventre.
E meu ventre, um verme acelerando a decomposição do verme mais velho.
E os anos de sabedoria, não vêm? Aquelas tardes de estar na cadeira-de-balanço, cozendo lenta e agradavelmente sob o sol das constantes, das afinidades consolidadas, das juntas e nervos rangendo contra a lucidez tenebrosa dos anos de aprendizado, do luminoso amor fati.
Grande merda amá-lo, enfadonho enrugar do tempo.
Ah, que falta faz meu corpo de cágado, era tão mais avesso às possibilidades...
E debaixo desse logro escuro, desse pasmo e cínico acolhimento, não deixei de amar, nem de cuidar, nem de valer mais que o meio milhão de imbecis que brotam por aí, abaixo, acima, aos montes e prenhes de outros ainda.
Nem de me enganar.
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sábado, 23 de junho de 2012

Depois da sesta

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Paixão só é alegre quando bonita
Se é triste vira nó,
embaraça as vista.
Alegria é bonita quando Sol à pique,
desde que seja menino;
quando maduro queima a vida,
o tédio sua e o corpo enguiça.
Alegria é bonita quando não pensa.
Quando alguém tropeça.

O Sol é bonito quando atravessa.
Quando a rua passa debaixo da moça.
Tudo é bonito quando começa;
menos a lua cheia que nasce e morre
                                      [completa.
Então a noite é um Sol bonito apagado,
e o olho do gato um regalo...
O que não pensa é um começo.
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quinta-feira, 26 de abril de 2012

Sumô


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Hei de andar porque tudo move
E até minhas pernas brincam aos dias.
Só tem em mim uma pedra, que se exagera.
Quer pensar. E como pesa.

É uma pedra de olhar, muda como a velhice
Mas não muda, nem pesar lhe cansa
Nem dança vem mudar. Uma pedra viva,
Que escorre no quando mais devagar, que se esconde
Num meu canto e nome vem me dar.

Não dá de rir essa esquisitice,
Ela sabe é fazer chorar. A pedra deita no sofá e
diz que de lá não sai. Que vire musgo as superfícies,
que vire muro o olhar. Só ela não se revira.
Não vê que é maluquice pedra d’água pesar.

Mas nada adianta.

Que de mais não quer saber. Que o vazio da casa
Deixe o pátio estar. Que o bem-te-vi pare.
Que o salgueiro não chore. Que a laranjeira não brote.
Em verdade, que nada cheire.
Por que em pedra tudo que é mole dói.
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quarta-feira, 25 de abril de 2012

Trovinha desencantada

Não encontrei os termos do interminável,
nem achei que os fosse encontrar,
nem de saber o que procuro
nem querer nem ter nem procurar

Mais noturno que sincero,
felpa que se machuca
muro que não se fresta,
menos festa e sem futuro
Mais burro e cada vez mais besta

Deixei torto o que me tortura,
e reto o que me derrete,
e o fogo que me reputa
medo que não se endireita

Deixei palavra sobre palavra,
cada lembrança embalsamada
para na hora de não sentir nada
sentir dor da dor lembrada


segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Atenção!

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Uma ponte suspensa de não estar
de não querer estar
de não querer

Se entre um nó ou um vazio no estômago
se entre um nó na garganta está
se entre um nó apertado
se é um nó, uma ponte,
se é uma lágrima suspensa, se é querer
se está

Um estômago apertado
um quarto de Onetti fechado
um nó no vazio do estômago
um Onetti engasgado na garganta
um nó fechado onde está

A ponte suspensa na garganta
um mantra vindo da floresta
onde está suspenso um quarto fechado
um nó de Onetti no estômago
onde está o lado ao lado fechado do nó

De onde vem a sombra vem o quarto
de onde o querer enxurrado vem da garganta
se está onde o nó não está
vem a chave, não o nó, não a luz no quarto
que a luz no quarto de Onetti é como um cancro na bexiga da manhã

Nem luz nem nada nem água
só um nó no sangue da garganta
só o pó do sangue
porque nem luz nem lágrima nem nada
só um quarto suspenso de sangue, só um nó na luz
nem lágrima nem água

De onde vem onde está nem nada
vem água verter o enxurro deste tacho
vem verter o enxurro deste tacho ao lado
deste quarto estômago estouro garganta
mantra nó sangue pó e potro aleijado

De onde vem a chuva, o mantra
a chave do nó de não estar só fechado
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terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Ondulado

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Hoje os olhos me ferveram de ressaca
que fiz:
arrastei meu chão
até um álcool de estrelas

derrubei um senão baixo
disse amor de repente
ouvi uma calha chorar a seca

de repente
triturei a vertigem dos celsius num copo 
pedi o estupor e ganhei uma dose

de macio, arrisquei o áspero
pedi de repente
ganhei um amor

calhei a seca, fiz meus olhos num choro
esverdeei as doses de amor
fiz chorar
amaciei as sobras
que dói o calor

fiz céu no derrubar das luzes,
derrubei-me num copo de amor
calhei no teu colo de repente
amaciei o estupor

ganhei teus olhos de vez
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sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Quase silêncio

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Escorre ausente

lavor na alma da língua,
que chama, clama, 
reclama, emana     

Que foi cama
Morna d'água

Tormenta rasa no lençol da pele
Brisa leve, 
será agora augúrio?

Terra virgem,
rosa nuvem luminosa,
revés do calmo e grave negro do dia sem volta,
Volta!

Nos olhos de inseto, sob o furor do sol,
chora contra a lupa inseticida o que sei maior

Escorre ausente o verso,
o credo banido na rotina da máquina

Na sólida solidão desbastada,
a mão não acolhe o coração mole do vestígio,
nem de ouvido se afina o grito
do que era pleno, 

Hoje vazio
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