quarta-feira, 29 de setembro de 2010

nota mágica sobre um coração alvejado

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prisma.
             recuo.
                        libelo.
aquarela.
                                        ninho.

                                                        mamute.
                                                                          alvéolo.
                                     cisma.
                                                               atropelo.
                                                                                               trilho.
                                                                                             
                                                                                               trilho.
                                                                                             

                                                                                                                  um arremesso teso,

                      os nervos à flor, decapitado, insurgente,
                                             os pelos e glândulas,
                                               o exaspero
                     de algum modo, desconhecido, sempre silente  
                                                  nunca dito, aliás,
    repetido, repetido sobre a mudez da íris, da íris, às vezes
                                     o limbo perfeito, de excesso
                   urdido amiúde de incerteza, espezinhado
                     incontido entre o útero, o pórtico e a tumba
                        descomunal, a série multiplica a cripta
                 até que suspensa, rendida pelo que degrada,
                            varrida pelo revés do náufrago, sutura a própria
                   polpa aberta em  escarlate, faminta
                      e some eterna, suspensa, na manobra 
                                     destas flechas esparsas

                                                                                            um arremesso,

indefeso.
                                             único.
                          percalço.
                                                                                   livre.
                                                     confesso.
        súbito.
                                                                                             alado.
                                            grávido.
                                                                                                    
                                                                    nítido.
                                                                                                           descalço.
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segunda-feira, 27 de setembro de 2010

amanhã

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se eu for teu barco em alto-mar

se eu for teu bálsamo e teu embalsamar

se for de quebrar e apagar-se,

se for de arder e de fitar, é

se eu for chama e cristal

e se eu for um arcano completo,

uma palhoça e mil e duzentas velas,

se for um palhaço e um copo d'água, só

e se esse copo transbordar

se eu for um corte e nada estanque

se eu trouxer ranhuras, sei... teus olhos pra curar

se eu correr como sangue, ligeiro em ti

se eu dormir na tua areia movediça, 

e tiver jeito com a lua-nova,

e ficar calado ao lado, luzindo

se eu colar a preguiça na pressa

se às vezes eu enjeitar a sorte,

se eu for um pouco de paz, de pureza

e outro pouco um teorema de morte...

se eu for bobo e te deixar feliz,

se a tevê desligar de repente e a gente morrer de rir...

se tudo fizer sentido, é de vir
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sábado, 25 de setembro de 2010




aquelas formas nuas, aquelas redomas
sufocam estreitas quase tudo,
aquele escândalo,
aquela dália, lentamente salivada
aquele mal proteiforme,
aquele passado de fósseis, aquela rua
tantas vezes carne e já me alimento de nomes
tantos rastros e sumiços de um amor, nem sempre revolto
nem sempre pronto,  sempre pouco
pouco se sabe quando vem a hora de atirar-se à primeira onda
(evitando as pedras)
e toda certeza quando se encontra as pernas ardendo ao chicotear a espuma

desenhei nos azulejos a tormenta,
com os olhos pretos,
enquanto o vaso esperava mais de mim...
enquanto as sobras dormiam feito delícias
enquanto era simplesmente adeus
enquanto deitavam as roupas
enquanto enganávamos as sombras
enquanto ninguém sabia
enquanto pairavam sobre a laje tenra de sol
enquanto a primavera
enquanto morria
enquanto o fim
enquanto esperavam quietos os dedos e os avisos
enquanto teu riso se abria, se abria
enquanto eu ria
enquanto de nada o pó que eu fazia com  os desenganos
levaram longe o só que de mim saia aos prantos
enquanto entardecia
enquanto zombava na despedida todo o cheiro do nosso futuro,
enquanto gemia o absurdo, enquanto quebravam-se os ossos
enquanto a lua exibia o rosto, enquanto morto
enquanto velho
enquanto  o teto desabava e sobrava única a vida na escada de incêndio
enquanto o médium descrevia o surto
enquanto o ninho tornava sacrifício a vida do outro
enquanto



eu tremia

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

faros

sonífero...
como por detrás da asa mansa
desliza rente sobre a face púrpura
o que é suspenso, o que é denso

o que é de não se deixar jamais,
sobre todas as derivas, contente
balouçando risos e preguiça

a gravidade esquecida, como pétala
e os sentidos sustendo-se de arcas...
que de todas as chuvas, aquele único dilúvio
e da primeira vez tenho os olhos feitos apenas para rir

cuidar dos sonhos de alguém...
vendo as fadas puxarem seus tratores de algodão
por sobre os ombros lisos da flor
e colher silente a noite num cheiro tranquilo

- é de se achar sôfrego e belo não calar -

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

é como ver

me por a pensar com tanto ímpeto
fazes isso com a facilidade da chuva

bem estou aprendendo a passar os dias sem tragédia
- sei... o diabo zombando, crê que estou a brincar...
como se faz quando não pedimos condições para... viver?

e ri-se com tal bravura, assim como que torturados pela leveza

despertei de quando? onde dormia? sei ainda arruinar?
das vezes que não entendemos as trevas, nem o limbo
se dizes que o sol basta... és o bastante perto de mim
meus olhos, tão cretinos de alegria... ainda que tocados pela miséria


a criança subida no muro, vê que ela se joga sem pesar nos braços de alguém
ela voa porque acredita... nem mais nem menos
assim falamos um um pouco das escolhas,
como sem saber por quê...

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

oestes siberianos

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uma guerra perdida entre o titânio
e o estômago
imagino devir frio e leve e forte,
mas decaio nervoso no vazio da fome
é um desejo escravo, tem nome
um certo embaraço do tempo, afoito
não sei do que deve morrer,
mas vivo, assim... que dizer
temo acostumar, temo o costume de outros,
tenho vício no êxtase
é um desejo escravo, tem nome
eterno retorno de um dilema, ainda enigma
como cultivar as distâncias
e dormir tranquilo com o tempo perdido?

busco nos detalhes as foices que me podam,
mas a poda é somente o bosquejo de um corpo
ainda mais forte
o desejo
o estômago


***


tua imperfeição e relevo é o que mais punge
teus danos, tuas cócegas
nem lâminas, nem dores
a paciência é que descortina a essência rósea dos cabelos
vive de máscaras e a máscara é que menos esconde
a colina branca, e o gelo que não atinge

condensa o fervor na saliva que tange meu gosto
é agosto
divide-se a sorte
o gigante vem morrer à praia
e os anões cheios de coração não entendem:
o destino não tem medida

não é metáfora a jubarte suicida


***


murmúrio interminável... clausura
regresso abominável em ti, absoluto
usura

ora, sacode o pó dos tijolos
não ignora o tilintar dos metais,
mune teus átrios com tigres-de-bengala,
cumpre o pestanejar dos infantes,
vocifera com luz, de passagem:
há sempre uma madrugada, diz o fantasma

mutila o abstrato
coage as ilhas desse mapa, talha o barco
recorta a bússula com estrelas, parte...
mas parte de mim não deixa:
meu focinho úmido em tua vulva quente
o corisco dos olhos
o perfume das gotas, o cascalho
a tormenta e o intervalo

chegamos na arrebentação, diz a carne


***


o cobre arrastou minha peste pra longe
a espingarda era de chumbo miúdo
não deu conta da desgraça, foi só um pavor
durou dois, três dias, o calibre era frouxo

eu ouço:
os dinossauros gemem do outro lado

teus braços esparramados sem ter onde
a sobremesa evanescente no meu espelho réptil
(as cercas farpadas não suportam búfalos)
habitar tua água-marinha, retouçar-se ali
por enquanto

depois o labirinto:
sou de sodomizar centauros,
saquear orquídeas,
estudar o clitóris, essas coisas

sou de rir embora, e de ficar

***

a capa líquida que é teu corpo
eflui perfeita sob os dedos...
a minúcia de uma datilografia chinesa

na concha das mãos, beber a cântaros
o pequeno reduto, o efúgio tátil
o animal primitivo se rebate
na superfície desse leito açucarado

espalhar-se como um filhote de granada,
o gênio alimenta o bicho, eivado na escravidão.
minha calma tem o fôlego estreito
é menina
e logo meu faro chega em tua pressa de atiçar dragões
eu deixo a solidão,
vem raiar teu castanho-claro sobre mim
minhas hastes de metal,
teu nimbo de agúas e eletricidade

são das coisas que se desfazem,
este açodamento e cárcere


***


teus contornos e a voz tranquila
desalmam qualquer sofrimento
é por isso que regresso

um voo macio até voltar à agua,
as festas de quando te reconheço,
a simplicidade de um banho fresco
e o calor ameno do algodão,
a cadência alegre do derretimento
sob a candura das mãos, o zelo

o vapor das ervas como a neblina que adensa a doçura das trocas entre a louça tenra das xícaras e a paixão dos olhos

a perícia no atrevimento dos gestos
que suspedem o início,
como o início de tudo, como se fosse simples
o sossego das coisas envoltas
naquela bruma levemente aquecida


***


os caibros do teto,
as dobradiças acolchoadas na fuligem
tudo declina, as gotas são lentas
a sequência é monótona

os passos são de quem remexe a ordem do tempo,
indo e vindo de outros dias,
velho e menino se encontram

as alpargatas de corda,
o imenso balcão negro e maciço,
o silêncio e as máquinas...
nesse torvelinho, o resíduo:
acho que eram nossos olhos pregados
no reflexo cambaleante das poças,
um passeio mudo pelos vincos da memória

simples como colocar os pés na areia,
envelhecemos

ainda lembro do assovio e das moças,
elas riam de nós