sexta-feira, 30 de julho de 2010

houve e sempre haverá cavaleiros andantes

aproximado de mim distante


instante aquele de cair


calmo agora de ter sabido

alegre ver partir, 

feito alegre o coração partido



[tenho estado de mentiras pra mim, dessas que crianças usam pra sobressair ao escuro, dessas que os homens buscam pra desesperar, dessas que se não acredita, dessas que dinamitam as saídas, dessas que superadas tem tantas outras por vir, dessas que tocam belezas adiante, dessas que faz a gente desdormir, dessas que faz sorrir, dessas que maltratam seus inimigos, dessas que bendizem a vida, dessas que valem a pena, dessas que nos dão abraços em troca de outros abraços, dessas que choram motivos sem motivos, assim, pra mentir-se emocionadas de coisa qualquer, dessas que se lustram delicadamente com o sabor das coisas - que amor tem gosto, gosto mesmo, por exemplo -, dessas que das perdas vão se ganhando na calda doce de tempos felizes, dessas que são simples, dessas que põem as mão sabidas no cabelo sobre a orelha e se mentem tão verdadeiramente que até sabendo-se da verdade mentida se cai verdadeiramente nos braços do engano, dessas que se apagam no tempo, dessas que se esquece porque vive-se de inesperados e que entristece porque são esperados os inesperados que não vêm, dessas que descansam domingos debaixo do sol, dessas que se escrevem repetidamente para encontrar coisa nenhuma, dessas que se gostam assim, dessas que não esperam morrer, dessas que acabei de encontrar e sei dizer que entendi o que querem mentir, sê feliz meu filho, sê feliz de mim] 

quarta-feira, 28 de julho de 2010

mijei por sobre os mortos

mijei por sobre os mortos - um sorriso úrico
debaixo do último cimo, por cima do enésimo gole
como a cola d'água de uma chafariz assassino
fui sumindo como o balé da fumaça
na fornalha espelho dos dias adiantes, restantes, rastejantes

meu périplo é das tripas arrastadas no chão, cascavelhices
morredouro nos tecidos de sol dobrados em gavetas negras,
um soro vertigem de caminhar a nado num lago tóxico

o próximo navio é minha figueira plena pátria serrada aos prantos,
naufragada ao solo ignoto das origens, das imagens primeiras,
ao início matriz do poema... vacilo -
redemoinho púrpuro, ralo dos delírios

a mesma solidez dos garfos que seguram meus passos
a fim de a faca torneada com horas a fio degradar
a tenra carne de meu cérebro tremeluzido de animais
as feras telúricas que empossam o músculo trágico da vida

descalço segue o rodo da tristeza, da resina, da tortura
travando a ambiciosa rendição nas ervas daninhas
das minhas calçadas, no revés do meu garimpo silêncio
no distrair ruminante das saídas que inventei no corpo tangente de meus círculos
moro nas rotações de um sistema lunar, onde a luz cintila num sal metal noturno
a vida úmida trepa em hastes de abandono, todos os signos são agudos
tesouro, louco, vértice - do íngrime ao surto, do infesto ao ouro
do protesto ao sexo, do rumor ao grito, do primor ao precipício

o bruto amálgama de vozes faz ruir o rosto pálido
do teto estrondo dos ratos que sela a separação do céu,
então sou barco dos gritos de ancestrais d'outro universo,
a lança cometa dos sonhos abertos em painéis de revolução...
meu giro, meu bote, meu leite materno revida a ninharia do credo
não morro, não durmo, não páro... óleo na máquina dos vivos -

a lápide coração dos infelizes tem a pele fria,
mas a língua dos cães é um inferno matilha... e tenho as raízes bêbadas desse calor canino

segunda-feira, 26 de julho de 2010

tradução do branco dos esquimós

tenho as casas de mim agora demolidas por não sei que ventos de embora.
demora dos atrasos que colchetes de solidão deixam revirados nesse redil.
senil de trapos outrora coloridos com doces feituras de parco coração.
não que se sabe mais concreto de sem desculpas pensar-se em tantas reticências.
paciência que tardes trazem luz que falta em meus porões retinas.
usina de almas que engrenam todos os enquantos que de mim se escondem sábios.
adágio segredo que toda morte morre de hora certa e apelo certeiro.
canteiro terra de desmentiras sementes maceradas pelo perigo da superfície.
artífice rupestre de amenizar monções tristes e poeira vôo de ínfimos cristais.
areais da morada que distam de mim a casa que não tenho estado desde amanhã.
anfitriã da saga criança que as letras prostíbulos emprenham de estio.
extravio dos cursos d'água que ressudam belezas por sobre a pele sede de mor-viver.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

farpas de algodão

o tédio encara o mais forte amor
com tal mansidão e desdém que culmina -
arrasa suas tendas de pedra
como se fossem papéis encharcados

as mãos quentes pareciam felizes,
risos não soluçavam vazios
e o tênue pântano que agora berço descansa
não desenhava em tuas rugas
a cova larga de minhas lembranças

que minutos nos abandonam ao fim,
qual o verbo daninho que
crispa o ar deleite das noites
que diz o risco que corre o desenho das gotas

detrás de muros cerrados que me gracejam
posso ouvir rumores de festas infâncias
ou frestas em campos de guerra... não sei
são trompetes e gaitas que ouriçam dores

terça-feira, 20 de julho de 2010

rosamente híbrido

um aterro de fome,
o piscar de olhos do estômago:

um revide, um sonho -
as mesas
revivendo a madeira morta
do dia a dia de quem se consome -
qual o fogo e a lenha seca da vida

também são memórias
as mãos desconhecidas
que apagam sem pesar
as dores que eu nem sinto

é clara a canção das lâminas
de um amor touro desgovernado,
distraído?

tenho medo de me tornar inóspito,
e por descuido sigo cultivando luzes...
aplacado entre silêncio e vozes,
meu rumo estira-se sobre nuvens
e meus cortejos fúnubres terminam
por se encontrar em doces serenatas

é o brio que o amor inverna -

quinta-feira, 15 de julho de 2010

o amargo castanho-escuro dos teus pêlos

é dor que faz aos olhos
a fria península que nos separa -

como tardes que precipitam...
os dedos pequenos do orvalho
e o tombo congelado das noites

como a louça esparramada de raiva,
a porta entreaberta de adeus,
o ranço das vestes manchadas
do ocre dos teus segredos,
eu me abandono inteira...

jamais poderia amar-te:
se desvendasse a calma dos teus golpes
a tempo de não sobrevir os carinhos
se não fosse minha tolice miúda
de gozar ao revés das foices com as quais me maltratas
se não fosse meu coração desnudo - 
que a vida fizera ferrugem -
untado, assim, tão perfeitamente
com teu óleo barato de amores

se fácil fosse a fuga...
dos cegos arrepios,
dos teus olhos rasos,
e dos teus abraços
que tão torpemente me amarram
ao lodo cediço das tuas delícias

se a coragem me é estranha,
a covardia é de ti bem sabida,
pois não sei da valentia
que é limpar a sujeira tua
nas lágrimas minhas, arrependidas 

as lágrimas...
estas que não me tornam pedra -
meus tropeços e máculas -
sinas que insinuam flores
a vã promessa... de esquecer teu cheiro

segunda-feira, 12 de julho de 2010

de ócio e calafrios

namorar ignorâncias
no ventre espaço dos destinos
no regaço das esquinas, das surpresas
dos declínios

resistir nalgum perfume 
do cheiro abutre da certeza 

no fulgor dos desavisos
talhar vento menino
em barco que navega o teu cio

da sublime reentrância das coisas,
nada senão entrever, senão amar

ainda que alquebrada e banida,
ainda que ladra,
ainda carne, pele, resto
coser os lábios das próprias feridas -
esta loba
alimentar de sonho as suas crias


chamar-se vida...

sexta-feira, 9 de julho de 2010

o deslize é um acerto incerto

as mãos têm a destreza de um incêndio
quando o corpo fumaça recende
e as pálpebras simulam janelas cerradas

a pele é um frasco de fogo ao avesso,
e a vida tem o mesmo cheiro e arde
quando as narinas são baldes de aconchego

o peso e a fresta são amigos do vento,
e os vãos e as fossas me adentram afora
que os pés são rastilhos do tempo

e se a noite dos amantes é tormenta,
as horas - estas não sei como dizer -
são as vísceras dos meus olhos riachos!

quinta-feira, 8 de julho de 2010

calhamaço

enquanto o sempre,
sem menos,
se desfaz

sobre alma alguma

de quem não sei,
logo e dúvida se desprende

vem alguém

depois e para
e mais agora, e mais

tudo esquece

só e nada e pó
embrutece - a

pedra ausente

de não vir pluma,
sem-pre-sente dura

segunda-feira, 5 de julho de 2010

sobre grifos e agulhas

deveria o amor se distrair, assim, recente?
e se na noite, dos dentes, saísse-se-me pequenos carinhos,
porque não posso arrancar-te de ti inteiramente?
e pensar que é besteira querer-te ainda tão jovem de mim,
tragado pelo descompasso de quem mais pode ensinar-nos -
o tempo

vejamos a lógica dos soluços entre dois de nossos silêncios:
enquanto me embaraço no gesto de sonhar ao teu lado,
tu sossegas no perfil de tuas cicatrizes
dois futuros em mim sedentos
pelo titubear de dois passados em ti suspensos

não tenho jeito para endereçar os gozos em mim:
de repente vejo-me pedra em pleno ar... queda
tão logo vejo-te ventar nas minhas dunas,
e mesmo com pudor, arrepia-me te ver arrastar meus horizontes
e a sorte nem sempre segue teu encalço,
tendo vezes em que adentro teu mar inteiro,
tuas ondas e tuas ressacas
e sigo plataforma e aço!

mentira seja dita: a verdade é a mais tacanha desesperança
e se eu costuro algum fim às avessas com fina fazenda
é para adormecer teus ouvidos com um suspiro de espera
e cegar teus olhos com um pequeno beijo de seda

(é só uma canção decadentíssima)

Ao meu querido amigo de O tango dos guarda-chuvas


somos desertos, somos insetos
nós somos verdes e aranhas e dejetos
a artimanha do camelão

somos a barba de um poeta idiota
o nosso abraço é nosso espaço mais aberto, mais sereno

o nosso fôlego é quase mínimo
é um cão ladino, um vespertino adolescente, um amor doente
uma ternura, em nosso rosto fere a pura ofensa tola
dos camaradas, dos doidivanas, dos infelizes e dos normais