quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Meus parabéns

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Trinta anos. No essencial, não mudei nada. Ainda tenho medo do escuro. Não do escuro, é da luz escura que invade a claraboia da noite. As sombras, a penumbra, os feixes dos postes, as sirenes vermelhas, o escuro visto de olhos abertos, minha escuridão, a possessão da noite, o nervoso desterro que cada segundo, no ruidoso silêncio,  vai roubando aqui dentro, na caixa preta do meu peito. Uma teimosia nuclear em ver-se e sentir-se uma fenda, os dois olhos de um gato, e um cisco de nostalgia a turva-los.
Olhos de gato, coração de cachorro. Sede e burrice canina. Nessa última virtude extrapolei no esmero. Sabendo o que era certo, na hora certa, fiz tudo errado. Ou estou enganado. Não sei. 
De tudo que disse e deixei, honestamente, não quero nada de volta. Talvez o cabelo, caso precise ir à terra de topete. Melhor não. Que me comprem uma peruca negra e me fechem com um vestido justo e vermelho, olhos escandalosos e boca escarlate. Porque depois daqui, pretendo emputecer o céu. Morrer tem que ter ao menos uma graça. Paz, eu até poderia almejar, mas não sei até hoje o que é. Perto ou longe, prefiro a pé. E se for de comer, Alá!   
Daqui para frente, pouco. Meu imaginário é manco e foi depauperado, não tem força de tapar os furos da realidade. Numa dessas a tristeza arrima-se. Um desgraçado me faz chorar. E outro me pinta de novo um palhaço na cara. A fossa, se não me engano, não é minha cachaça, mas destila-se bem em mim, dou-lhe boa cama e bom cobertor. Mas o riso, ah, o riso, estas cócegas tão mansinhas da alma, como as adoro! Mas ao público, revelo mais as mágoas, tristeza ninguém inveja.
Assim, de vindas e idas vou-me chegando aos trinta. Se bem reparam, afinando a rima. Do humor ao pó. Da garganta, o nó. No meu coração, só, muito só... Só resta bem-viver a este singelo Pantaleão... ou Pedro-Bó!

Pantaleão contava uma história de pescaria:

Pantaleão: - Daí eu joguei a mesa pro tubarão e ele engoliu inteira!
Pedro Bó: - Engoliu inteirinha?
Pantaleão: - Inteirinha não... ele deixou os prego no canto do prato pra tua vó comer, Pedro Bó!*  


Se te encontraste temeroso ao ver-me no ínicio,
aposto que depois de inteiro ter-me visto, 
se não te atiraste desdenhoso ao chiste,
terminaste feliz num riso.



*Personagens de Chico Anysio.
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segunda-feira, 6 de agosto de 2012

doido, sem acento


Veleja por essas águas calmas e silenciosas,

Por essas cortinas escuras, por esse

Espelho sombrio da lua, teu olho é o teu momento 

sobre esse fundo difuso.

Vê, esse é o teu quarto,

Teu barco, tua alma, teu claustro.


A deriva, teu bote sinistro

Caminha sem rumo. Vai de um canto

A outro do quarto, animado por não sei

Qual correnteza desse claustro,

Que são os percalços do teu pensamento.

Bate num canto, no outro, volta ao centro

Desse nefasto redemoinho.



Vê agora teu coração, é o corredor

De um imenso orfanato. As lajes frias

Dessas encostas são tuas. A esperança

Confusa que ali ecoa é tua. Os gritos

Dos infantes são os teus. O medo

Agravado da noite é teu:

Companheiro de travessia, tua ilha

E teu travesseiro.


(Olhos abertos e a boca seca...

Costelas a mostra, os pés descalços,
os anjos e as bestas, eis teu núcleo elétrico,
o som das vespas, tua única chance)


Maldito, vejo que não apela ao naufrágio.

Não sucumbe a matéria bruta, por que insiste?

Fecha os olhos para nutrir ainda mais

fundo o teu precipício, vamos, desespere!


Diabo! Não tem limite? Por que não chora? 

Que traz debaixo dessa veste escura?

Ah, deixa-me ver. Credo! Algo de infinito.