domingo, 19 de julho de 2009

23:59

Cinco mil e seiscentas milhas:
lembrança
prenúncio
vazio. -
O Natal é um acordeon que não pára.

hábito cristalino

pequena musa (adormecida)
teus olhos de Lispector não mentem
uma cifra anti-platônica da paixão,
[difusa, bela e futil e omissa]
desenhando a sombra de uma gata suicida

não tens mistério, diz tua fúria pálida.-
amolação lenta da tua foice (morta?)
recortando a forca do tédio dos teus pesadelos,
ao pé de uma dor tranquila...

rasga com tuas unhas vermelhas meus novelos de seda
e me dá a gosto um corte farto de sangue
ou deixa inocular minha dose de afeto
na tua pele - tua neve de outono - ofegante

e já recobrado do golpe, do gozo festejo
o Édipo torpe que burlou grades
[e arredou mãos cheias de dedos]
pra que o cerne desalmado dos teus medos
fizesse cor e lis dos teus alvéolos mortos, e beija-flores.

Bukowskiana

Alô. -
Um xis bacon,
Uma puta,
E os meus sonhos de volta!

911

Amor
Dor
Saudade
Cadê a saída de emergência,
Crueldade?

sexta-feira, 17 de julho de 2009

Canção das pedras

Destino, advinha tua fábula, tua cabal realidade. És minha tartaruga-marinha. Majestoso silêncio que arrasta um oceano consigo. Vencedor que levita sobre o solo mais rarefeito, a paciência inconteste de todo o teu peso... Tens graça. Não te tornas um pesadelo por pouco; obstina tua destemida leveza, contra tua metade petrificada, em milhões de rotações terrestres, como se fora um príncipe dos tempos. Tuas crias nascem do risco, um balé de centígrados jogam suas vidas ao calor da fortuna; teus olhos imensos, marejados por natureza, contemplam o lento vagar da vida, e se dispersam, espelhos do mar, em nostalgia descabida. Tua força, mistério, teus braços, império, teus traços, corredeiras do Eterno, tuas vestes, abóbada rochosa que zela os ecos do instinto e do amor. És perfeito na tua dureza, teus temores tem viço, tuas certezas, alegrias. Gigante materno, não és meu Tártaro, contudo, ainda és minha, e até a Morte há de ser.

segunda-feira, 13 de julho de 2009

Bilhete de final feliz

Tristeza,

Saí de casa, não pela porta dos fundos; tive que dar a volta por cima. Deixei a melancolia na gaveta dos discos; o tédio, na caixinha ao lado dos teus remédios. Não deixa de quitar as prestações da indiferença que estão em cima da mesa, e guarda os recibos, pode ser no console da escrivaninha, ao lado dos teus livros de falsa sabedoria. Cuida bem do cachorro (meu Tristão), e não descuida da gata também (tua Isolda). Ainda deixei arrumado teu lugar preferido no quintal, o poço-sem-fundo. O jardim está limpo, não deixa abarrotar de folhas secas, de qualquer maneira, será impossível cobrir tua solidão. Se preferires, não me importo, ainda podes fingir que existo no jantar; põe na mesa dois pratos e engole tua sopa, com pãezinhos torrados que o diabo amassou, se der, consome também tua própria amargura. Aos domingos, podes morrer de fome. Ainda neste inverno, podes usar a lareira, queima tua vaidade com uma boa xícara de chá nas mãos, mas não esqueça de apagar o fogo. Logo a miséria passa, Tristeza, e tu te acostumas com tua saudade mesquinha. Passe bem.

Feliciano

domingo, 12 de julho de 2009

Viagem

A leve crueldade de olhar para trás...
Ruidosa, como a saga rasteira da loucura
A queda do sopro aquecido da aurora leva
A esperança de que as fadas venham tocar na cólera,
Enquanto a noite não vem roubar o surto,
Sonho - devaneio e luto - como o bater de asas e desespero,
Castelo de ases desabando, e o ceú
Brilho - de todas as casas vazias - feito cegueira,
Olhares coesos em anéis de tristeza
De onde a força destes móveis e poeira?
Lá, onde o sangue não seca,
Vivo, como as ondas do Atlântico,
Impiedoso como o inferno astral de Deus
O freio da morte imperra o ruído da alegria que cresce
E nasce, como o zelo que inverte os ponteiros do tempo,
Um sabre que degola a maldade do ventre, e derradeiro,
Sobe a montanha dos dias
Esta lâmina - cópula, crime e fastio - prepara o sacríficio da alma
A calma veleidade do homem -
O fim curioso, sereno e tardio, um querer
Do alvo certeiro que some sem ter
Escrito um poema de adeus - será.

terça-feira, 7 de julho de 2009

Amor perdido

Hoje - palavra vazia,
Das pedras contadas no caminho
De ninguém...
Soluço, do mofo, espinhos

Detrás da porta, espera por mim,
Amargura morta, despedida: -
Dos gritos que terminam
Escravos da tua ida

E o raio de luz que traz a escuridão?
No canto largado do teu brilho
Dorme o robô da canção,
Amarrado, segue menino nos trilhos...

E quebra, dor que de vez consome
Sonha outro nome!
Deixaste no limo, sera-fim
Um corpo que nunca tem fome de mim.

sábado, 4 de julho de 2009

Um jornal ana-cômico: primeira página.

Há uma década, certos jovens, descobrindo a breguice de um coração partido, silenciavam suas dores nas canções de amor de Renato Russo e Roberto Carlos. Hoje, ao sabor dos ventos de uma nova e imprevisível geração, a juventude se consome em emo-ções. As autoridades poéticas estão preocupadas, diz o superintendente Liriciano dos Reis, "não sabemos em que esse constrangimento pode acabar, estamos preocupados, talvez estejamos diante de um grande infarto de nossas instituições amadoras". Em tempo, alguns manifestantes já esboçam seu descontentamento. Na tarde de ontem, em frente ao Rosário de Lágrimas, uma moçada anacrônica desfilava ao som de pujantes palavras de ordem, "a franja não é o problema, mas onde estão os poemas?".

Ao desmame colossal da vida

Estou no vício. -
A distância roída do vão
Entre amor e solidão...
Meu rebuliço, meu berço.