sábado, 26 de março de 2011

nevoeiro, ou todas as soluções precipitam

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que me nublam as coisas vividas,
que a memória não desfaz em cores fracas, nem enfraquece,
que de viver num caminhão de cimento, girando, virando
que se derrubam: casas e árvores e flores e amores a mais

que na posição de um feto eu volto,
gemendo palavrões, e colidindo sob a pele enrijecida
sob um arranhão, igual aos reparos de um inábil arqueiro,
onde o alvo... já equivocado... ao chão

testemunho de uma despedida,
o olhar perdido de um câncer materno,
vendo sem habitar a sala-de-estar pela última vez,
as fotos, enfeites, os filhos e o vozerio das alegrias,
sabe o que é morrer perdido, e ainda atento demais?

daqui não se ouve socorro, e quando... já não basta
o sol silenciou seus raios, medrou... (quantas reticências):
obscureceu.
e quando bateu a porta, refletiu, não adianta
de que adianta mais um tapa, um surto, um estampido

triunfou a mudança: caixas vazias, corredores vazios,
móveis fora de lugar, imóveis
um quintal visto da janela onde os netos é que morreram
e a natureza perdida se atropelou no tempo

não tem glória, nem céu, nem rutilação que comporte
o passeio sofrido deste arado: os olhos bem abertos
numa poeira de pregos...
o sangue coagulando debaixo da chuva, prolongado
na mancha escura, na água suja e desmerecida
do que passa
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segunda-feira, 21 de março de 2011

Onde estão as roupas

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não coube nos termos -...
e de pouco se foram os ângulos, um por um
se foram os anjos, as doces alamedas, o gás
como as maçãs também se foram das mesas
como as crianças cresceram,
e as delícias salgaram...

os cães cessaram de buscar o rabo, 
os postes desacenderam, e a lua caiu
só o cozimento do tempo ficou:

no remanso do gesto que perfazia
através dos dedos uma calma inadequada

não sobraram perguntas, nem horas marcadas
os rebuços caíram das caras,
e asas lisas dos olhos decolaram

deitaram-se aquelas coisas na rocha aquecida
diante do mar... as ondas se foram
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quinta-feira, 10 de março de 2011

O lago morto

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Onde está a graça de dizer-Te?
Repetir o encanto de sempre...
Porque cozi num dia morno
E acordei num ninho atacado, lentamente destruído.
Envelheci todas as plantas ao redor
E só amei o sol do fim.
Não disse adeus. Fui o velho deixando o bar
pela última vez.
Ao tocar o frio, despejei o resto da calma.
Solucei com um pouco de orgulho e violência.
Deprimi meu corpo. Desisti. Ancorei.
E sem morrer ainda, aquela fantasia
imanta o carnaval na mais besta das saudades....
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