domingo, 21 de abril de 2013
1993
Não verti em poemas senão as mágoas
Nem soube aparar as pontas desse destino
Deram-me um tiro na têmpora quando menino
E daquela água turva, crivando meus olhos pequenos,
[não me safei
Ainda percorro uma casa assustada e vazia.
E do pátio vem apenas uma saudade que
[funde um areal sangrento
Não há nuvem que condense a morte de alguém
Não há despejo dos olhos que termine
O carvão da vida vem e risca-te
uma parábola homogênea e putrefaciente:
- daqui pra frente vais morrer nos instantes.
Não tens por que doer por tanto, tanto
que não há razões, nem matéria, nem vocábulo
[de cura e perdão
Trago a ferida aberta do ser-humano - nem todo
Apalpo suas bordas e entoo o cântico,
rabisco o pérfido fantasma e o recorto em pranto
Ao final, vacilo em doçuras
eu lembro do que é mais perfeito nos homens
Eu toco as cordas de meu animal mais bonito.
sábado, 13 de abril de 2013
Amarga despedida
Fiz-te traços e despojos
Sacrifiquei-te cem vezes!
E ressuscitaste nos olhos de outro
Foste a desrazão no coração das coisas
Na memória resta teu colo fúnebre,
o caramelo sadio dos gestos
Restam os objetos e um sóbrio desdém de tudo
A carne a e esperança restaram
na álgida marca do tempo
Tuas frígidas lições de moral também restaram
Num sorriso irônico que entrego a ninguém
Teu caule nascido sobre a terra
faz sombra e draga minha água morta
Agora tu cantas com a voz que nunca sonhei
Mergulhas no rio onde findei
Mergulhas e nunca mais virás a tona de mim
Saíste dessa aguardente exímia sobrevivente
E de todos os meus ultrajes, invicta!
segunda-feira, 8 de abril de 2013
Biografia
Pouco antes de nascer,
Fui um espectro infante dentro de um Opala
Não tive terra natal; surgi ex-nihilo,
num domingo de sol, na cidade de um santo -
cheirando a cachaça e com um gosto de melado.
Muros não havia. Eu via todas as casas da rua,
De repente, um frango assado e um sinal de amizade.
Casa, comida, pitangueiras e a calçada
Eu não tinha medo e nem sabia que o medo
Era o pior convidado. Dei de ombros e fui brincar.
Voltei pra casa, embarrado e de alma lavada.
Voltei pra casa descalço; sem camisa, sem cansaço
Sem desterro, sem pudor. Voltei e voltava com
Brilho nos olhos e os joelhos rasgado. Aliviei.
De vez em quando, guardava a casa ao lado,
Atento ao vagar betuminoso da velha. Coitada.
Cair nos olhos de uma criança, a formiguinha diabólica.
Sorte dela é que o tempo
E o mundo cingiam uma pressa misteriosa.
Certa vez, um escambo ardiloso: negociei
com meu irmão mais novo um brinquedo preferido.
Em troca: o lugar na fila do banho.
Intuito: restar no pátio a sós com uma menina,
sob o delicioso delito dos enamorados.
O sol, todas aquelas cores, os banhos de chuva,
Os dias de escola, os meninos e as meninas
Os inocentes e obscenos primeiros-amores;
Todos me enganaram.
Morri num domingo de sol. O exílio mais dolorido.
As cores avermelharam. O doce largo das ruas
Estreitou-se nas sombras de uma insônia sem fim.
No assoalho maldito o medo e o seu eterno peão.
Do lado de fora, o fantasma daquele menino
continua lá, sentado no portal de casa
Às vezes, os passos da velha...
E o mais estranho. Debaixo do meu nariz, recendia a verdade:
a velha tinha nome de flor; e sempre um cheiro de morte
a velha tinha nome de flor; e sempre um cheiro de morte
segunda-feira, 1 de abril de 2013
Uma canção de ninar
Como se não houvesse mais que
A simplicidade do abandono.
Um buraco cada vez mais largo e vazio,
Cada vez mais difícil, mais difícil...
Dizer este impossível, incompleto luar
O calabouço noturno dos cafés,
As esquinas e postes giratórios
E o rotor insustentável das sensações:
Nada se conforma nestas hélices doídas
Nem o uivo dos cães é bonito
Debaixo dessas cortinas de brilho estático
Debaixo desses telhados deprimidos
No interior desse moinho sinistro: o coração
Um raio, uma adaga, um disparo,
uma manada, o bom deus, Belzebu
um SMS da sétima lua de Saturno!
– nada disso.
Apenas o insólito conforto do algodão
E um telescópio voltado para dentro
- a procura de um ultraleve acontecimento
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