terça-feira, 30 de outubro de 2012

Estou errado em dois mil e nada.





Não acenda a luz, por favor.
Meus olhos estão cheios.
Não acalme nem desvie os seus. Deixa o escuro
Respirar o facho; deixa o cansaço servir.

Eu sonho um lugar e nele ponho os pés de molho,
Eu sonho a expansão do facho envolvendo os pés,
Levando-os ao lugar do sonho, enterrando o sonho.
O que não é lugar, isto é acordar. O que é sonho manobra a matéria.
O que surge não sei. Eu sinto um sentimento a menos e basta.
Os olhos doídos não se fecham mais em águas.
A luz é uma porta aberta sem espera. Sem graça.

É a sincronia do retardo, a máxima.
As água, os olhos, os sonhos... Apodreceram.
O corpo não responde mais à ilhada, não sangra mais,
Não pede mais. Eviscera a palavra Nada, quase toda palavra.
Os olhos, meus olhos, me olham com ares de certeza. Sem raios.

Tem no mundo mais que a besteira de doer e não doer?
Tem mais que a de pensar ou não pensar?
Pois tem a de estar e não estar. E a pior, a de ser.
Mas o mundo está nem aí,  está só, na ideia do bobo,
Do dia, da gota, do beijo, da sopa e da linha absorta do tempo.

No sonho, teus olhos contavam maneiras de mentir.
Dentro deles um campo extenso, dentro deles uma vida exata,
Dentro, uma vida inteira. 
Havia abismos e manadas. Eu estava preso. 
Havia fogo, a faísca do homem, havia carne, 
havia sentido. Eu estava preso na felicidade.

É a diacronia do atraso. O passado que vai passando sem passar.
O arrasto que vai cessando sem cessar.
Como revisitar o lugar amado na memória,
todos os sentidos se embolsam no agora, na resposta,
na besteira-vitória de estar em pleno andar e ver,
de rever a vida que já morreu.

A sabedoria não leva  a nada. A Estrada não leva a nada.
A poeira sim, leva à poeira, ao poema, ao boêmio,
ao passo mais incauto que o do primeiro macaco,
aquela ilhada, que é a alma desalmada. O símio robô
no peito, que bomba as desilusões do homem.

A seriedade do olhar que acusa, recusa e mata.


terça-feira, 2 de outubro de 2012

Bem distantes




É só um bloco uniforme no céu,
é só uma forma geométrica comum.
É só um círculo, da cor sem cor trivial.
Qual a tua dignidade, então?
Não tens vida, não tens luz,
satélite à mercê, falta-te mesmo gravidade.

Por que és a canção mais bonita dos noturnos?
Pletora de apócrifos, assim é que meu coração
gostaria de ofender-te.
Falsa rodela de emoções.
Mas tua mentira, teu contorno, teu véu...
Maldito júbilo que pariste nos amantes.

Os galhos esguios te apontam,
parecem chamar-te, úmidos.
As gotas do orvalho despencam das calhas
como se os telhados chorassem secretamente.
Que meus olhos nunca tivessem visto
este desespero dos zincos.

Nem sentido há em tua imagem,
gigante tambor de solidão.
Vês, contradigo-me, é o mal de tua nudez,
o mal de teu vórtice feminino, o mal de tuas
ordens sobre a desordem dos canalhas.
Devolve em teu reflexo a pobreza de minhas marés.
Vês que entrego-me ao teu mal.

Cortaste a cúpula escura calmamente,
enquanto o tempo agonizava aqui embaixo.
Lânguida noite, lânguido horizonte.
Como chegaria o sono, se teus módulos
impelem meus nervos a uma gentileza sem fim.

Os galhos esguios dos meus braços que te chamam,
as gotas do meu orvalho que calham
agora sobre ti. Acho que neste falso momento para mim,
e eterno para ti,
colidimos nosso longínquo passado, 
nossas rochas liquefeitas deram-se as mãos.