segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

meu samba de carnaval



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esse mar-asmo cheio de vício e risco desenha um terreno vasto onde meus tambores entristecem... se fosse vítima, ainda, cairia fúnebre dentro de mim, a marcha me cantaria escura no escurecer da festa; meu tédio, porém, persiste num brilho que nem mesmo minha calma entende, o infame ri sem dizer de quê, tem uma fé valente, o animal, e um medo quando não vê portais onde se lê, no alto, não entre! como pode ser tão feliz quando abraça a vida, assim, tão dis-traída, con-traída, traída inteiramente... às vezes, quando balanço os pés sobre o desfiladeiro do meu estômago nervoso, namorando o horizonte da vida, meus olhos ditam uma maravilha que escapa à minha solidez, à minha solidão, à minha nudez, ao meu Não. se eu puder arrepiar as tuas costas, Vida, quando delirar sobre teu dorso com a boca umidecida, não restarão continentes que te sosseguem sobre o mar; imagens impunes vão te assombrar, como açoites em chamas, lembrando fogos, gritos, a turba incendiária dos teus súditos, chamando teu nome sem socorro, amando a penúria e a glória de serem tuas flechas... despindo teu vestido de um só golpe! ah, um sem número gostaria que fosse apenas lúxuria e fraqueza, mas a festa é sábia... o sábio, um desvario aritmético; o mundo, uma garrafa esvaziada pela sede dos trópicos; a (c)alma, andarilho, maltrapilho, embriaguez; o verso, ver-sonhado por Mênades; a prudência, cinzas; a inocência, Fênix!
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terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

acorda!

queria deixar o êxtase cochilar depois de ter sido pólvora e mundo, mas tudo era forte, pulsante... se o coração gritasse agudamente, nem assim,  riscaria o inferno como naquela hora. mas para quê deixar o sono desviar tudo aquilo, como se com ânimos mais amenos fôssemos mais humanos, se humano não fosse essa guerra de lados onde não estamos; no fim das contas, em nenhum deles, mas somos rasos o suficiente para acreditar que sim, que apesar de tudo restamos em algum ponto, bobagem, somos sólidos e eternos como um riso de estupor e sorte... não somos mais estúpidos pela normalidade do que quando encarnamos um gênio, a vida está no deslize sobre o limo de não ser muita coisa durante as horas em que pensamos ser... e não dá graça ser partido, assim, em mil gestos e ideias, amante, fátuo, infantil? queria ser assim todos os dias, uma película capaz de guardar a memória mais frágil, a hora mais doce e também cruel de uma alegria eternamente viva e morta naquela pequena falha em carne e alma maliciosa em que escondo o que sou de mim vazio, ali, no canto escuro de nada e flor, de voo, de amor... e não gostaria de ser nada, se o preço fosse por todos os dias, quero estar onde estou, vadio entre mundos... somos mais e menos do que deuses deliraram, e somos bem mais do que o tédio, a culpa e a tristeza nos fazem acreditar quando fraquejamos, somos, nas super-linhas da vida, livres!

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Balzac... A graça essencial

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(Não é de meu costume reproduzir textos alheios, mas não há nada que não mereça exceção, e este é um caso prodigioso. É encontrar gravado aquilo que já escrevemos, mas de uma maneira ainda melhor, mais clara e serena, mais aguda e certeira, mais bela e tranquila. Balzac me acertou em cheio... Divido, assim, minha paixão.)

"Não conhecemos todos um amável egoísta, que possui o segredo de nos falar muito sobre ele sem nos desagradar? Tudo, nele, é gracioso, fresco, requintado, até mesmo poético. Ele causa inveja. Ao mesmo tempo que nos reúne a seus prazeres, a seu luxo, ele parece temer nossa falta de fortuna. Sua obsequiosidade, toda ela feita de conversa, é uma polidez aperfeiçoada. Para ele, a amizade não é senão um tema cuja riqueza conhece admiravelmente bem e cujas modulações ajusta segundo o diapasão de cada pessoa.
Sua vida está marcada por uma personalidade perpétua, da qual se redime graças às suas maneiras: artista com os artistas, velho com um velhinho, criança com crianças, ele seduz sem querer, pois nos mente em seu interesse e nos diverte por cálculo. Ele nos acolhe e nos afaga porque está enfadado e, se hoje nos damos conta de que fomos iludidos, amanhã iremos novamente nos deixar enganar... Esse homem possui a graça essencial.
Mas é uma pessoa cuja voz harmoniosa imprime à conversa um encanto que se difunde também por suas maneiras. Sabe quando falar e quando se calar, ocupa-se dos outros com delicadeza, não lida senão com assuntos convenientes de conversa; suas palavras são felizmente escolhidas; sua linguagem é pura, seu gracejo é carícia e sua crítica não fere.
Longe de contradizer a ignorante segurança de um tolo, parece buscar, na companhia dos outros, o bom senso ou a verdade. Não disserta, assim como não discute; compraz-se em conduzir uma conversa que interrompe quando achar conveniente. De humor constante, sua atitude é afável e sorridente. Sua polidez não é nada forçada, sua solicitude não é servil; reduz o respeito a não mais que uma suave sombra; jamais cansa as pessoas e faz com que fiquem satisfeitas com ele e com elas próprias. Atraídos por sua esfera por um poder inexplicável, encontraremos seu espírito de boa graça gravado nas coisas que a cercam; tudo aí afaga a vista e respiramos como que um ar de pátria. Na intimidade, essa pessoa nos seduz por um tom genuíno. Ela é natural. Nunca com esforço, com luxo, com exibição; seus sentimentos se exprimem de forma simples por serem verdadeiros. Ela é franca, sem ofender qualquer amor-próprio. Aceita os homens como Deus os fez, perdoando os defeitos e os atos ridículos; compreendendo todas as idades e não se irritando com nada, porque ela tem o tato de tudo prever. Ela obsequia em vez de consolar, ela é terna e alegre: assim, gostaremos dela irresistivelmente. Nós a tomaremos como modelo e lhe prestaremos culto."

Extraído de Manual do dândi: a vida com estilo.
Tradução de Tomaz Tadeu. Editora
Autêntica
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