quinta-feira, 25 de junho de 2009

Partícula terceira: o espelho

R. Woolgar acabara de chegar em sua pequena casa, de apenas dois cômodos, e muito fria. A escassez da mobília compensava a multidão inteligente que habitava aquela estranha alma. Numa das paredes da sala, ao lado do cabide de entrada, um pequeno espelho, bastante comum, pregado àquela altura desde há muito tempo, decerto por um morador mais antigo, a refletir desafortunadamente, dia-a-dia, a imagem misteriosa daquele homem. Roman Woolgar tinha as feições agudas, as mãos delicadas e longelíneas, sombracelhas negras, e seus olhos eram verdes, fascinantes e verdes, como duas esmeraldas terrivelmente felinas, soberbas, melancólicas. Sua pele era de uma tonalidade árabe, mas sua ascendência, cicatrizando em sua alma, era nórdica, era fria, como um crepúsculo boreal. Roman era muito magro, e ao mesmo tempo muito forte, seus músulos se avivavam facilmente sob a pele, mas o seu ímpeto pouco condizia com esta força, era calmo e reflexivo na maior parte do tempo. Depois de livrar a chaleira sobre a chama, quedou-se sobre uma das duas cadeiras da cozinha, recanto estreito mas agradável daquela mansarda; aguardava descansado, com as pernas cruzadas, as mãos levemente abertas sobre os joelhos, e os olhos fixos na luz tímida que invadia a peça, o primeiro cheiro da essência com morangos e eucaliptos que deixara para ferver, e eis que como seda o perfume lhe tocava o nariz.

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