segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Balzac... A graça essencial

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(Não é de meu costume reproduzir textos alheios, mas não há nada que não mereça exceção, e este é um caso prodigioso. É encontrar gravado aquilo que já escrevemos, mas de uma maneira ainda melhor, mais clara e serena, mais aguda e certeira, mais bela e tranquila. Balzac me acertou em cheio... Divido, assim, minha paixão.)

"Não conhecemos todos um amável egoísta, que possui o segredo de nos falar muito sobre ele sem nos desagradar? Tudo, nele, é gracioso, fresco, requintado, até mesmo poético. Ele causa inveja. Ao mesmo tempo que nos reúne a seus prazeres, a seu luxo, ele parece temer nossa falta de fortuna. Sua obsequiosidade, toda ela feita de conversa, é uma polidez aperfeiçoada. Para ele, a amizade não é senão um tema cuja riqueza conhece admiravelmente bem e cujas modulações ajusta segundo o diapasão de cada pessoa.
Sua vida está marcada por uma personalidade perpétua, da qual se redime graças às suas maneiras: artista com os artistas, velho com um velhinho, criança com crianças, ele seduz sem querer, pois nos mente em seu interesse e nos diverte por cálculo. Ele nos acolhe e nos afaga porque está enfadado e, se hoje nos damos conta de que fomos iludidos, amanhã iremos novamente nos deixar enganar... Esse homem possui a graça essencial.
Mas é uma pessoa cuja voz harmoniosa imprime à conversa um encanto que se difunde também por suas maneiras. Sabe quando falar e quando se calar, ocupa-se dos outros com delicadeza, não lida senão com assuntos convenientes de conversa; suas palavras são felizmente escolhidas; sua linguagem é pura, seu gracejo é carícia e sua crítica não fere.
Longe de contradizer a ignorante segurança de um tolo, parece buscar, na companhia dos outros, o bom senso ou a verdade. Não disserta, assim como não discute; compraz-se em conduzir uma conversa que interrompe quando achar conveniente. De humor constante, sua atitude é afável e sorridente. Sua polidez não é nada forçada, sua solicitude não é servil; reduz o respeito a não mais que uma suave sombra; jamais cansa as pessoas e faz com que fiquem satisfeitas com ele e com elas próprias. Atraídos por sua esfera por um poder inexplicável, encontraremos seu espírito de boa graça gravado nas coisas que a cercam; tudo aí afaga a vista e respiramos como que um ar de pátria. Na intimidade, essa pessoa nos seduz por um tom genuíno. Ela é natural. Nunca com esforço, com luxo, com exibição; seus sentimentos se exprimem de forma simples por serem verdadeiros. Ela é franca, sem ofender qualquer amor-próprio. Aceita os homens como Deus os fez, perdoando os defeitos e os atos ridículos; compreendendo todas as idades e não se irritando com nada, porque ela tem o tato de tudo prever. Ela obsequia em vez de consolar, ela é terna e alegre: assim, gostaremos dela irresistivelmente. Nós a tomaremos como modelo e lhe prestaremos culto."

Extraído de Manual do dândi: a vida com estilo.
Tradução de Tomaz Tadeu. Editora
Autêntica
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