segunda-feira, 6 de setembro de 2010

oestes siberianos

.
uma guerra perdida entre o titânio
e o estômago
imagino devir frio e leve e forte,
mas decaio nervoso no vazio da fome
é um desejo escravo, tem nome
um certo embaraço do tempo, afoito
não sei do que deve morrer,
mas vivo, assim... que dizer
temo acostumar, temo o costume de outros,
tenho vício no êxtase
é um desejo escravo, tem nome
eterno retorno de um dilema, ainda enigma
como cultivar as distâncias
e dormir tranquilo com o tempo perdido?

busco nos detalhes as foices que me podam,
mas a poda é somente o bosquejo de um corpo
ainda mais forte
o desejo
o estômago


***


tua imperfeição e relevo é o que mais punge
teus danos, tuas cócegas
nem lâminas, nem dores
a paciência é que descortina a essência rósea dos cabelos
vive de máscaras e a máscara é que menos esconde
a colina branca, e o gelo que não atinge

condensa o fervor na saliva que tange meu gosto
é agosto
divide-se a sorte
o gigante vem morrer à praia
e os anões cheios de coração não entendem:
o destino não tem medida

não é metáfora a jubarte suicida


***


murmúrio interminável... clausura
regresso abominável em ti, absoluto
usura

ora, sacode o pó dos tijolos
não ignora o tilintar dos metais,
mune teus átrios com tigres-de-bengala,
cumpre o pestanejar dos infantes,
vocifera com luz, de passagem:
há sempre uma madrugada, diz o fantasma

mutila o abstrato
coage as ilhas desse mapa, talha o barco
recorta a bússula com estrelas, parte...
mas parte de mim não deixa:
meu focinho úmido em tua vulva quente
o corisco dos olhos
o perfume das gotas, o cascalho
a tormenta e o intervalo

chegamos na arrebentação, diz a carne


***


o cobre arrastou minha peste pra longe
a espingarda era de chumbo miúdo
não deu conta da desgraça, foi só um pavor
durou dois, três dias, o calibre era frouxo

eu ouço:
os dinossauros gemem do outro lado

teus braços esparramados sem ter onde
a sobremesa evanescente no meu espelho réptil
(as cercas farpadas não suportam búfalos)
habitar tua água-marinha, retouçar-se ali
por enquanto

depois o labirinto:
sou de sodomizar centauros,
saquear orquídeas,
estudar o clitóris, essas coisas

sou de rir embora, e de ficar

***

a capa líquida que é teu corpo
eflui perfeita sob os dedos...
a minúcia de uma datilografia chinesa

na concha das mãos, beber a cântaros
o pequeno reduto, o efúgio tátil
o animal primitivo se rebate
na superfície desse leito açucarado

espalhar-se como um filhote de granada,
o gênio alimenta o bicho, eivado na escravidão.
minha calma tem o fôlego estreito
é menina
e logo meu faro chega em tua pressa de atiçar dragões
eu deixo a solidão,
vem raiar teu castanho-claro sobre mim
minhas hastes de metal,
teu nimbo de agúas e eletricidade

são das coisas que se desfazem,
este açodamento e cárcere


***


teus contornos e a voz tranquila
desalmam qualquer sofrimento
é por isso que regresso

um voo macio até voltar à agua,
as festas de quando te reconheço,
a simplicidade de um banho fresco
e o calor ameno do algodão,
a cadência alegre do derretimento
sob a candura das mãos, o zelo

o vapor das ervas como a neblina que adensa a doçura das trocas entre a louça tenra das xícaras e a paixão dos olhos

a perícia no atrevimento dos gestos
que suspedem o início,
como o início de tudo, como se fosse simples
o sossego das coisas envoltas
naquela bruma levemente aquecida


***


os caibros do teto,
as dobradiças acolchoadas na fuligem
tudo declina, as gotas são lentas
a sequência é monótona

os passos são de quem remexe a ordem do tempo,
indo e vindo de outros dias,
velho e menino se encontram

as alpargatas de corda,
o imenso balcão negro e maciço,
o silêncio e as máquinas...
nesse torvelinho, o resíduo:
acho que eram nossos olhos pregados
no reflexo cambaleante das poças,
um passeio mudo pelos vincos da memória

simples como colocar os pés na areia,
envelhecemos

ainda lembro do assovio e das moças,
elas riam de nós

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