terça-feira, 11 de setembro de 2012

"Mi reino no es de este mundo"



Meia-noite. Verão. Noite amena e melancólica.
O ruído de grafite, o lento ventilador e os grilos.
Posso escrever nas sombras. Cansado e preguiçoso,
tisnando a imaginação. O que faz falta e o fundo que
é nada me apertam. Ouriçam as pernas. Bem aqui dentro
um movimento centrífugo.

A memória apaga o presente. Nela, vagos e coloridos dias.
Plenos na lonjura. Vivo nos instantes. Descolando de mim.
Na parede em frente vazia, contrasto esse duplo distorcido.
Retrato do que não é. Réplica difusa da tristeza motriz.
Entre uma falsa imagem e um corpo arisco. Num recomeço
que jamais se atinge. No qual o falso corpo e a imagem arredia
são relançados. E calados se resignam. Como este gesto
de apagar a luz do sala, do dia, dos olhos, da saudade recalcitrante.

E sair.

Então o conforto da barcaça onde não somos. Onde mais
condizem os decadentes. O sonambulismo das massas e músculos.
A vertigem dos raios das luzes das ruas. Úmidas e vazias.
Dos homens sinistros e trajes escuros. Dos objetos escusos.
Dos gemidos tecidos em seda e constritos em mãos obesas.
Dos sustos de uma trégua possível que barre essa polução doente.

Mas súbito a névoa recua. A manhã se avista, arrastando-se licorosa.
A efêmera e banal tortura de sentir-se. Um pouco de reviravolta.
Nada adiante. Nada além. O infrutífero e senil recomeço das horas.
Pálidas e lúbricas iridescências da morte.

Um comentário:

Guilherme Franco disse...

ainda que seja
meia noite,
verão...