segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Arquivo A-P;31-41




Adam Plotz viveu em Southern Island, EUA. No museu da 2 ª Guerra da pequena aldeia, num canto discreto e esquecido do salão de mármore encontram-se cartas e bilhetes da época. No meio de tantas histórias, um pequeno rascunho amarrotado e sujo. Segundo a legenda, fora achado na estação férrea da cidade, debaixo de um banco de espera e, portanto, nunca entregue. O destinatário era Elza Lieber. Sabe-se que era uma tarde de outono, de 1941. O destino de ambos é desconhecido.

(Traduzi livre e despretensiosamente o que ninguém viria a saber, pois o gênio está nas horas perdidas).


"A verdade é que não sei viver sem teus olhos claros.

Eu não sou um homem correto. Nunca fui. Apenas educado, às vezes bem arrumado. Nenhuma disciplina até hoje conseguiu tornar o hábito das coisas corretas superior ao impulso mais recôndito e às circunstâncias. Isso porque tenho uma virtude nem sempre virtuosa: eu penso. Isso porque tenho um vício nem sempre vicioso: eu me apaixono. E todos que já tiveram esse privilégio sabem que alguma indisciplina sempre convém a reflexão e é nuclear à paixão. Então, como poderia promover-me, enaltecer-me? Seria uma farsa. Aqui e agora estou sendo honesto. Mas nem sempre consigo; sem receios, poderia afirmar que na hora mais exigente é mais fácil fugir, omitir ou mentir. Como eu poderia amar se o que mais faço é defender-me. Se amo exageradamente, dói porque é demasiado. Se amo parcamente, dói porque é escasso. Em ambos os casos, é mais fácil defender-se; fingir, renunciar, acusar.

A verdade é que o lugar mais feliz de viver é nos teus olhos claros.

Eu não sei se você tem nome. Mas eu sei como te pronunciar. Eu não sei lidar contigo. Mas eu sei do que você gosta. Eu não gosto quando você não gosta. Mas eu sei quando eu deveria não gostar. Eu sei do que você tem fome. Mas eu tenho hora para almoçar. Eu sei o que te incomoda. Mas eu não entendo o incômodo. Eu sei que você aprenderá. Mas eu não sei se posso esperar. Eu sei o que te dói. Mas eu não gosto de ver. Eu sei como você me destrói. Mas eu não quero saber. Eu sei o que te apavora. Mas não sei como escapar. Eu sei que você me ama. Mas nem sempre eu gosto de você.

A verdade é que eu não suporto o assalto da tristeza nos teus olhos claros.

Eu sei que as vezes eu sou vulgar. Às vezes desprezo, outras ignoro. Eu falho. Eu choro. Eu me arrependo. Mas o faço porque estou vivo, sem me desculpar. Não é fácil ver tempestade e raios no claro dos teus olhos. Não é fácil saber-se um reles diante da tua mirada. Não é fácil perder a morada na tua gentileza, nos revezes da tua imprudência, nos lapsos da tua calma, nos sabores da tua alegria. Não é fácil não reconhecer tua beleza. Não é fácil implorar ajuda e encontrar fraqueza. Não é fácil esperar e ficar sentado. Amar-te fora um equívoco sem volta. Não te amar seria um equívoco sem perdão.

A verdade é que sem o segredo dos teus olhos claros só restaria o embotamento dos meus;
A verdade é que o melhor lugar para morrer é na ausência dos teus.

Carinhosamente,

Adam.

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