terça-feira, 26 de outubro de 2010

Archote: Pedaço de cabo de esparto alcatroado que se acende para alumiar.

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Estive preso, por algum tempo. Um tempo que não se conta, vocês me conhecem. (Ainda não?). Estive preso no reflexo. Do pensamento. Não, não é o pior dos casos, você pode estar preso em coisa nenhuma. Incapaz de saber. Não, não me libertei, expurgaram-me, assim, indeterminadamente. Ainda não sei o que fiz, mas tenho feito alguma coisa. Tenho desfeito. No avesso, ou na contra-mão, ou na tangente do solipsismo, embasbaquei-me com a metamorfose. Acreditei em não poder comunicar-me, errei. Agora ouço a língua das coisas, não as compreendo, mas faz sentido, porque sinto o texto que desliza na textura delas. Outrora, na travessia de uma rua, faziam-se-me um infinito de ideias; agora, nos mesmos passos, na mesma rua, fazem-se-me um infinito de ruas. O tecido áspero da poeira quase invisível; o tecido vestido de moça que me roça sem querer; o tecido em contraste das pedras e das peles é o estudo manco das reflexões. Não pergunto a pedra o que ela quer dizer, pois ela sabe dizer, literalmente: 3kg, gravidade, pedaço, assimetria, raridade, tropeço, descaso, vadiagem. Ela sabe o que quer. 
Não reparava na complexa existência dos bolsos de camisa. Como são esbeltos, e rústicos também. O marsúpio costurado de um botão de rosa. A pequena trouxinha para o dinheiro. O altar de um lenço. O destino, infinitamente discreto, tão dócil e doce para os dedos perfeitos da amada, quando vem deixar algum humilde papel, casualmente. Não, não se trata da lírica dos detalhes, não está no prazer das descrições, está no convívio, no fino tato dos olhos, em toda sinestesia dos átomos. Não é sereno, nem agônico, mas é pleno e pequeno, uma fábrica risonha de relevos mais sóbrios. Um panteão sem heróis.
Não sei. Não sei o que quis dizer.

Um comentário:

dansesurlamerde disse...

pequeno e pleno esse texto.

gostei muito, mesmo. tem algo que também é de mim (não sei, talvez).

beijo.

ps: muito bom o desenho do Aloísio.