segunda-feira, 8 de abril de 2013

Biografia




Pouco antes de nascer,
Fui um espectro infante dentro de um Opala
Não tive terra natal; surgi ex-nihilo,
num domingo de sol, na cidade de um santo -
cheirando a cachaça e com um gosto de melado.

Muros não havia. Eu via todas as casas da rua,
De repente, um frango assado e um sinal de amizade.
Casa, comida, pitangueiras e a calçada
Eu não tinha medo e nem sabia que o medo
Era o pior convidado. Dei de ombros e fui brincar.

Voltei pra casa, embarrado e de alma lavada.
Voltei pra casa descalço; sem camisa, sem cansaço
Sem desterro, sem pudor. Voltei e voltava com
Brilho nos olhos e os joelhos rasgado. Aliviei.

De vez em quando, guardava a casa ao lado,
Atento ao vagar betuminoso da velha. Coitada.
Cair nos olhos de uma criança, a formiguinha diabólica.
Sorte dela é que o tempo
E o mundo cingiam uma pressa misteriosa.

Certa vez, um escambo ardiloso: negociei
com meu irmão mais novo um brinquedo preferido.
Em troca: o lugar na fila do banho.
Intuito: restar no pátio a sós com uma menina,
sob o delicioso delito dos enamorados.


O sol, todas aquelas cores, os banhos de chuva,
Os dias de escola, os meninos e as meninas
Os inocentes e obscenos primeiros-amores;

Todos me enganaram.

Morri num domingo de sol. O exílio mais dolorido.
As cores avermelharam. O doce largo das ruas
Estreitou-se nas sombras de uma insônia sem fim.
No assoalho maldito o medo e o seu eterno peão.

Do lado de fora, o fantasma daquele menino
continua lá, sentado no portal de casa
Às vezes, os passos da velha...
E o mais estranho. Debaixo do meu nariz, recendia a verdade:
a velha tinha nome de flor; e sempre um cheiro de morte


Nenhum comentário: