domingo, 6 de fevereiro de 2022

 

 chorei fazendo coisas banais, chorei porque era domingo

atravessei uma rua, pisei em cacos de vidro,  

na esquina uma roseira cobria um muro pálido

um pai esperava o filho de braços abertos

uma porta rangia distante, um pássaro voava sem rumo

no chão estava escrito “se joga” nas duas metades de um bilhete 


tentei suturar em vão um coração partido

um pouco de cada em mim, e os meus olhos

marejados tingindo o arrastar do dia, meu próprio arrastar


chorei pensando coisas banais, chorei porque não estarei contigo

quando as chuvas do outono chegarem, num dia qualquer

de um mês qualquer, não vou pegar da tua mão,

não haverá música


às vinte e duas horas do dia 3 de junho não estará mais

pensando em mim, eu não ficarei mais sem jeito ao teu lado

não haverá arrepio, zelo, sonhos, olhos fechados


teu nome, que tanto amo, será apenas o nome de alguém

meu nome será apenas um nome


no final da rua, um minotauro vigiava um labirinto sem saída,

pensei que era o fim, então ele me abraçou, sentamos

estendeu-me a mão quando eu gaguejei:

ainda é verão e faz tanto frio

ainda é dia e por que tantas sombras?

ainda amo e tudo é passado

ainda sigo o rastro e estou tão perdido


chorei porque chegou a noite, porque caiu uma estrela, 

porque abri o livro e só restavam poemas que o tempo extinguiu 


chorei antevendo o equinócio da primavera:

quando o céu despejar luz sobre as flores,

não será a tua luz, não serão as minhas flores,

o céu que era nosso não mais será 


chorei lembrando a certeza trucidante de A vida breve:

“o mal não está em que a vida promete largo e 

dá estreito; o mal é que ela sempre dá e depois tira.”


chorei implorando um pouco mais de ar, que eu

pudesse ao menos chorar em paz… o coração não 

deu ouvidos, havia um amor infinito atravessado na minha garganta.


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